Confessio Augustana
PrefácioA
(Tradução do texto latino do prefácio)
Invictíssimo ImperadorB, César Augusto, Senhor clementíssimo.
Porquanto Vossa Majestade Imperial convocou uma dieta imperial para Augsburgo,
destinada a deliberar sobre esforços bélicos contra o turco, adversário
atrocíssimo, hereditário e antigo do nome e da religião cristãos, isto é, sobre
como se possa resistir ao seu furor e ataques com preparação bélica durável e
permanente; e depois também quanto às dissensões com respeito a nossa santa
religião e fé cristã, e a fim de que neste assunto da religião as opiniões e
sentenças das partes, presentes umas às outras, possam ser ouvidas, entendidas
e ponderadas entre nós, com mútua caridade, brandura e mansidão, para que,
corrigido o que tem sido tratado incorrectamenteC nos escritos de um
e outro lado, possam essas coisas ser compostas e reduzidas a uma só verdade
simples e concórdia cristã, de forma tal, que, quanto ao maisD, seja
praticada e mantida por nós uma só religião pura e verdadeira; e para que assim
como estamos e militamos sob um mesmo Cristo, possamos da mesma forma viver em
uma só igreja cristã, em unidade e concórdia; e porque nós, os abaixo
assinados, assim como os outros eleitores, príncipes e ordens, fomos chamados à
supramencionada dieta, prontamente viemos a Augsburgo, a fim de nos sujeitarmos
obedientes ao mandato imperial, e, queremos dizê-lo sem intuito de jactância,
estivemos entre os primeiros a chegar.
Como, entretanto, Vossa Majestade Imperial
também aqui em Augsburgo, no próprio início desta dietaE, fez que,
entre outras coisas, se indicasse aos eleitores, aos príncipes e a outras
ordens do Império que as diversas ordens do Império, por força do édito
imperial, deveriam propor e submeter suas opiniões e juízos nas línguas alemã e
latina, e como quarta-feira passadaF, após deliberação, se
respondeu, em seguida, a Vossa Majestade Imperial que de nossa parte
submeteríamos os artigos de nossa Confissão sexta-feira próximaG,
por isso, em obediência à vontade de Vossa Majestade Imperial, oferecemos,
nesta matéria da religião, a Confissão de nossos pregadores e de nós mesmos,
tal qual eles, haurindo da Sagrada Escritura e da pura palavra de Deus,
ensinaramH essa doutrina até hoje entre nós.
Agora, se os demais eleitores, príncipes e
ordens do Império igualmente apresentarem, de conformidade com a pré-citada
indicação da Majestade Imperial, em escritos latinos e germânicos, suas
opiniões na questão religiosa, estamos dispostos, com a devida obediência a
Vossa Majestade Imperial, como nosso Senhor clementíssimo, a conferir,
amigavelmente, com os pré-citados príncipes, nossos amigos, e com as ordens,
sobre vias idóneas e toleráveis, a fim de que cheguemos a um acordo, até onde
tal se possa fazer honestamente, e, discutida a questão entre nós, dessa maneira,
com base nos propostos escritos de ambas as partes, pacificamente, sem contenda
odiosa, possa a dissensão, com a ajuda de Deus, ser dirimida e haja retorno a
uma só verdadeira e concorde religião. Assim como todos estamos e militamosI
sob o mesmo Cristo, devemos outrossim confessar um só Cristo, segundo o teor do
édito de Vossa Majestade Imperial, e todas as coisas devem ser conduzidas em
acordo com a verdade de Deus, e pedimos a Deus com ardentíssimas preces que
auxilie esta causa e dê a paz.
Se, porém, no que diz respeito aos demais
eleitores, príncipes e ordens, que constituem a outra parte, esse tratamento da
causa não se processar segundo o teor do édito de Vossa Majestade Imperial, e
ficar sem fruto, nós outros em todo o caso deixamos o testemunho de que nada
retemos que de algum modo possa conduzir a que se efectue uma concórdia cristã
possível de fazer-se com Deus e de boa consciência, como também Vossa Majestade
Imperial, e bem assim os demais eleitores e ordens do Império, e quantos forem
movidos por sincero amor e zelo pela religião, quantos derem ouvidos a essa
causa com equanimidade, dignar-se-ão, bondosamente, a reconhecer e entender
dessa Confissão nossa e dos nossos.
Como Vossa Majestade Imperial também
bondosamente significou, não uma, senão muitas vezes, aos eleitores, príncipes
e ordens do Império, e na Dieta de Espira, celebrada em 1526 A.D., fez que
fosse lido e proclamado, de acordo com a forma dada e prescrita de Vossa
imperial instrução, que Vossa Majestade Imperial, nesse assunto de religião,
por certas razões, que então foram alegadas, não queria decidir, mas queria
empenhar-se junto ao Romano Pontífice a favor da reunião de um concílio,
conforme também essa questão foi mais amplamente exposta, faz um ano, na
próxima-passada Dieta de Espira, onde Vossa Majestade Imperial, por intermédio
do Governante FernandoJ, rei da Boémia e da Hungria, clemente amigo
e senhor nosso, e além disso através do embaixador e dos comissários imperiais,
fez que, entre outras coisas, fosse apresentado, segundo a instrução, o
seguinte: que Vossa Majestade Imperial notara e ponderara a resolução do
representante de Vossa Majestade Imperial no Império, bem como do presidente e
dos conselheiros do regime imperial, e dos legados de outras ordens que se reuniram
em RatisbonaK, concernente à reunião de um concílio geral, e que
Vossa Majestade Imperial, outrossim, julgara que seria útil reunir um concílio,
e que Vossa Majestade Imperial não duvidou de que seria possível induzir o
Pontífice Romano a celebrar um concílio geral, porquanto as questões que então
eram tratadas entre Vossa Majestade Imperial e o Romano Pontífice
avizinhavam-se de uma concórdia e reconciliação cristã. Por isso Vossa
Majestade Imperial bondosamente significava que se empenharia no sentido de que
o Romano Pontífice consentisse, o quanto antes possível, em congregar tal
concílio, através da emissão de cartas.
Se, pois, o resultado for tal, que essas
dissensões não sejam compostas amigavelmente entre nós e a outra parte,
oferecemos aqui, de superabundância, em toda obediência perante Vossa Majestade
Imperial, que haveremos de comparecer e defender a causa em tal concílio geral,
cristão e livre, para cuja reunião sempre tem havido, em razão de gravíssimas
deliberações, em todas as convenções imperiais celebradas durante os anos de
reinado de Vossa Majestade Imperial, magno consenso da parte dos eleitores,
príncipes e ordens do Império. Para esse concílio e para Vossa Majestade
Imperial mesmo já anteriormente apelamos da maneira devida e na forma da lei,
nessa questão, incontestavelmente a maior e mais grave. A esse apelo
continuamos a aderir. E não intentamos nem podemos abandoná-lo, por este ou
outro documento, a menos que a causa fosse amigavelmente ouvida e levada a uma
concórdia cristã, de acordo com o teor da citação imperial. Quanto a isso,
também aqui testificamos publicamente.
Notas:
A - O texto alemão do prefácio é de pena de
Gregor Brück, chanceler do Eleitorado Saxónio. Justus Jonas é o autor da
tradução latina do prefácio. É essa tradução latina que vertemos em português.
Enquanto diminui o número de pessoas capazes de ler, com inteiro proveito, os
originais alemão e latino das Confissões Luteranas, cresce o número daqueles
que entendem inglês. A edição inglesa de T. G. Tappert (The Book of Concord,
Fortress Press, Philadelphia, 1959), que traz a tradução do prefácio germânico,
é livro de fácil aquisição. Favorecerá, por isso, a número crescente de
leitores o facto de havermos traduzido o prefácio latino para a edição
portuguesa.
B - Carlos V, 1500 - 1558.
C - No original, secus. Texto alemão: nicht recht. Na Concordia Triglotta, em
que a tradução do prefácio da Confissão de Augsburgo se baseia no texto latino,
lê-se: “in a different manner.” O advérbio secus tem ambas as acepções, mas já
que o prefácio latino é tradução do prefácio germânico, damos preferência ao
nicht recht.
D - No original, de cetero. Concordia Triglotta traduz “for the future”. Assim
também Leif Grane e Bernd Moeller (Die Confessio Augustana, p. 13): “in
Zukunft”. Cremos que Justus Jonas teria escrito in ceterum houvesse sua
intenção sido a de dizer “para o futuro”, se bem que o contexto parece sugerir
a tradução “para o futuro” como a melhor.
E - No dia 20 de Junho de 1530.
F - No dia 22 de Junho.
G - Dia 24 de Junho. Concordia Triglotta (p. 40), por engano, traduz próxima
sexta feria (sic) com “on next Wednesday”. A apresentação foi transferida para
sábado, 25 de junho.
H - Ou transmitiram. No original: tradiderint.
I - Adoptamos a variante sumus et militamus. Cf. BSLK.
J - A Arquiduque Fernando da Áustria, desde 1526 rei da Hungria e da Boémia,
irmão do imperador.
K - Regensburg. 1527. Compareceu número muito reduzido de pessoas, e a dieta
terminou sem resultados.
A CONFISSÃO DE AUGSBURGO
25 de Junho de 1530
Artigo 1: DE DEUS
Em primeiro lugar, ensina-se e mantém-se,
unanimemente, de acordo com o decreto do Concílio de Nicéia,1 que há
uma só essência 2 divina, que é chamada Deus e verdadeiramente é
Deus. E, todavia, há três pessoas nesta única essência divina, igualmente
poderosas, igualmente eternas, Deus Pai, Deus Filho, Deus Espírito Santo, todas
três uma única essência divina, eterna, indivisa, infinita, de incomensurável
poder, sabedoria e bondade, um só criador e conservador de todas as coisas visíveis
e invisíveis. E com a palavra persona se entende não uma parte, não uma
propriedade em outro, mas aquilo que subsiste por si mesmo, conforme os Pais
usaram esse termo nessa questão.3
Rejeitam-se, por isso, todas as heresias que
são contrárias a esse artigo, como os maniqueus,4 que afirmaram a
existência de dois deuses, um bom e um mau; também os valentinianos,5
arianos,6 eunomianos,7 maometanos8 e todas as
similares, também os samosatenos,9 os antigos e os novos,10
que afirmam uma só pessoa e sofismam acerca do Verbo e do Espírito Santo,
dizendo não serem pessoas distintas, porém que Verbo significa palavra ou voz
física, e que o Espírito Santo é movimento criado em suas criaturas.
Artigo 2: DO PECADO ORIGINAL11
Ensina-se, outrossim, entre nós que depois da
queda de Adão todos os homens naturalmente nascidos12 são concebidos
e nascidos em pecado, isto é, que desde o ventre materno todos estão plenos de
concupiscência e inclinação más, e por natureza não podem ter verdadeiro temor
de Deus e verdadeira fé em Deus. Também, que essa inata pestilência e pecado
hereditário verdadeiramente é pecado e condena à eterna ira de Deus a quantos
não renascem pelo baptismo e pelo Espírito Santo.
Condenam-se, além disso, os pelagianos13 e outros14 que
não consideram pecado ao hereditário, com o que tornam a natureza justa por
virtudes naturais, para ignomínia da paixão e do mérito de Cristo.
Artigo 3: DO FILHO DE DEUS
Ensina-se, além disso, que Deus Filho se fez
homem, nascido da pura15 Virgem Maria, e que as duas naturezas, a
divina e a humana, inseparavelmente unidas em uma única pessoa,16 são
um só Cristo, que é verdadeiro Deus e verdadeiro homem, que verdadeiramente
nasceu, padeceu, foi crucificado, morreu e foi sepultado, a fim de ser oblação
não só pelo pecado hereditário, mas ainda por todos os outros pecados, e para
aplacar a ira de Deus. Ensina-se, outrossim, que o mesmo Cristo desceu ao
inferno, no terceiro dia ressurgiu verdadeiramente dos mortos, subiu ao céu e
está sentado à destra de Deus, para dominar eternamente sobre todas as
criaturas e governá-las, a fim de santificar, purificar, fortalecer e consolar,
pelo Espírito Santo, a quantos nele crêem, dar-lhes também vida e toda sorte de
dons e bens, e proteger e defendê-los contra o diabo e o pecado. Também se
ensina que o mesmo Cristo Senhor, conforme o Symbolum Apostolorum,17 no
fim virá visivelmente, para julgar os vivos e os mortos. etc.
Artigo 4: DA JUSTIFICAÇÃO
Ensina-se também que não podemos alcançar
remissão do pecado e justiça diante de Deus por mérito, obra e satisfação
nossos, porém que recebemos remissão do pecado e nos tornamos justos diante de
Deus pela graça, por causa de Cristo, mediante a fé, quando cremos que Cristo
padeceu por nós e que por sua causa os pecados nos são perdoados e nos são dadas
justiça e vida eterna. Pois Deus quer considerar e atribuir essa fé como
justiça diante de si, conforme diz São Paulo em Romanos 3 e 4.18
Artigo 5: DO OFÍCIO DA PREGAÇÃO19
Para conseguirmos essa fé, instituiu Deus o
ofício da pregação, dando-nos o evangelho e os sacramentos, pelos quais, como
por meios, dá o Espírito Santo, que opera a fé, onde e quando lhe apraz,
naqueles que ouvem o evangelho, o qual ensina que temos, pelos méritos de
Cristo, não pelos nossos, um Deus gracioso, se o cremos.
Condenam-se os anabaptistas e outros que ensinam alcançarmos o Espírito Santo
mediante preparação, pensamentos e obras próprias, sem a palavra física do
evangelho.20
Artigo 6: DA NOVA OBEDIÊNCIA
Ensina-se ainda que essa fé deve produzir bons
frutos e boas obras, e que, por amor de Deus, se deve praticar toda sorte de
boas obras por ele ordenadas,21 não se devendo, porém, confiar
nessas obras, como se por elas se merecesse graça diante de Deus. Pois é pela
fé em Cristo que recebemos perdão dos pecados e justiça, como diz o próprio
Cristo: “Depois de haverdes feito tudo isso, deveis dizer: Somos servos
inúteis.”22 Assim também ensinam os Pais. Pois Ambrósio diz: “Assim
está estabelecido por Deus que aquele que crê em Cristo é salvo, e tem a
remissão dos pecados não por obras, mas pela fé somente, sem mérito”.
Artigo 7: DA IGREJA
Ensina-se também que sempre haverá e
permanecerá uma única santa igreja23 cristã, que é a congregação24
de todos os crentes, entre os quais o evangelho é pregado puramente e os Santos
Sacramentos são administrados de acordo com o evangelho.
Porque para a verdadeira unidade da igreja cristã é suficiente que o evangelho
seja pregado unanimemente25 de acordo com a recta compreensão dele e
os sacramentos sejam administrados em conformidade com a palavra de Deus. E
para a verdadeira unidade da igreja cristã não é necessário que em toda a parte
se observem cerimónias uniformes instituídas pelos homens.26 É como
diz Paulo em Efésios 4: “Há somente um corpo e um Espírito, como também fostes
chamados numa só esperança da vossa vocação; há um só Senhor, uma só fé, um só
batismo.”27
Artigo 8: O QUE É A IGREJA
Além disso, ainda que a igreja cristã,
propriamente falando, outra coisa não é senão a congregação de todos os crentes
e santos, todavia, já que nesta vida continuam entre os piedosos muitos falsos
cristãos e hipócritas, também, pecadores manifestos, os sacramentos nada
obstante são eficazes, embora os sacerdotes que os administram não sejam
piedosos. Conforme o próprio Cristo indica: “Na cadeira de Moisés estão
sentados os fariseus, etc.”28
São condenados, por isso, os donatistas29 e todos os outros que
pensam de maneira diversa.
Artigo 9: DO BAPTISMO
Do baptismo se ensina que é necessário e que
por ele se oferece graça; que também se devem baptizar crianças, as quais, pelo
baptismo, são entregues a Deus e a ele se tornam agradáveis.
Por essa razão se rejeitam os anabaptistas, os quais ensinam que o baptismo
infantil não é correcto.
Artigo 10: DA SANTA CEIA
Da ceia do Senhor se ensina que o verdadeiro corpo
e o verdadeiro sangue de Cristo estão verdadeiramente presentes na ceia30
sob31 a espécie do pão e do vinho32 e são nela
distribuídos e recebidos. Por isso também se rejeita a doutrina contrária.
Artigo 11: DA CONFISSÃO
Da confissão se ensina que se deve conservar a
privata absolutio,33 não a deixando cair em desuso na igreja, ainda
que na confissão é desnecessário enumerar todos os maus feitos e pecados,
porque tal nem é possível. Salmo 18: “Quem conhece os delitos?”34
Artigo 12: DO ARREPENDIMENTO
Do arrependimento se ensina que os que pecaram
depois do baptismo, recebem perdão dos pecados a qualquer tempo em que cheguem
ao arrependimento, não lhes devendo a igreja negar a absolvição. Agora,
arrependimento verdadeiro, autêntico, propriamente outra coisa não é que sentir
contrição e pesar ou terror por causa do pecado e, todavia, crer ao mesmo tempo
no evangelho e na absolvição, isto é, crer que o pecado foi perdoado e que por
Cristo foi obtida a graça, fé essa que volta a consolar e serenar o coração.
Deve seguir-se a melhora de vida e o abandono do pecado; pois esses devem ser
os frutos do arrependimento, como diz João Mt 3: “Produzi, pois, fruto digno do
arrependimento.”35
Aqui se rejeitam os que ensinam não poderem voltar a cair aqueles que já uma vez
se tornaram piedosos.36
Condenam-se também os novacianos,37 que negavam a absolvição aos que
haviam pecado depois do baptismo.
Rejeitam-se, outrossim, os que não ensinam alcançar-se perdão dos pecados
mediante a fé, e sim por nosso satisfazer.
Artigo 13: DO USO DOS SACRAMENTOS
Com respeito ao uso dos sacramentos se ensina
que foram instituídos não somente para serem sinais por que se possam conhecer
exteriormente os cristãos, mas para serem sinais e testemunhos da vontade
divina para connosco, com o fim de que por eles se desperte e fortaleça a nossa
fé. Essa também a razão por que exigem fé, sendo usados correctamente quando a
gente os recebe em fé e com isso fortalece a fé.38
Artigo 14: DA ORDEM ECLESIÁSTICA39
Da ordem eclesiástica se ensina que sem chamado
regular,40 ninguém deve publicamente ensinar ou pregar ou
administrar os sacramentos na igreja.
Artigo 15: DAS ORDENAÇÕES ECLESIÁSTICAS
Das ordenações eclesiásticas estabelecidas por
homens se ensina observar aquelas que possam ser observadas sem pecado e
contribuam para a paz e a boa ordem na igreja, como, por exemplo, certos dias
santos,41 festas e coisas semelhantes. Esclarecemos, porém, que não
se devem onerar as consciências com essa coisas, como se fossem necessárias
para a salvação. Ensina-se, ademais, que todas as ordenanças e tradições feitas
pelo homem com o propósito de por elas reconciliar-se a Deus e merecer graça
são contrárias ao evangelho e à doutrina da fé em Cristo. Razão por que votos
monásticos e outras tradições concernentes a distinção de alimentos, dias, etc.
pelas quais se pensa merecer graça e satisfazer por pecados, são inúteis e
contrários ao evangelho.
Artigo 16: DA ORDEM
POLÍTICA42 E DO GOVERNO CIVIL
Da ordem política e do governo civil se ensina
que toda autoridade no mundo e todos os governos e leis ordenados são
ordenações boas, criadas e instituídas por Deus, e que cristãos podem, sem
pecado, ocupar o cargo de autoridade, de príncipe e de juiz, proferir sentença
e julgar segundo as leis imperiais e outras leis em vigor, punir malfeitores
com a espada, fazer guerras justas, combater, comprar e vender, fazer
juramentos requeridos,43 possuir propriedade, casar, etc.
Aqui são condenados os anabaptistas, os quais ensinam que nenhuma das coisas
supramencionadas é cristã.
Condenam-se, outrossim, aqueles que ensinam ser perfeição cristã abandonar
fisicamente casa e lar, mulher e filhos, e renunciar as coisas citadas, quando
o facto é que apenas verdadeiro temor de Deus e verdadeira fé constituem a
perfeição autêntica. Pois o evangelho não ensina uma forma de vida e justiça
exteriores, temporais, senão uma interior e eterna vida e justiça do coração,44
e não abole o governo civil, a ordem política e o casamento, querendo, ao
contrário, que se guarde tudo isso como genuína ordem divina e que cada qual,
de acordo com sua vocação, mostre, em tais ordenações, amor cristão e obras
verdadeiramente boas. Por isso os cristãos têm o dever de estar sujeitos à
autoridade e de obedecer-lhe aos mandamentos e leis em tudo o que não envolva
pecado. Porque se não é possível obedecer à ordem da autoridade sem pecar, mais
importa obedecer a Deus do que aos homens. Atos 5.45
Artigo 17: DA VOLTA DE CRISTO PARA O
JUÍZO
Também se ensina que nosso Senhor Jesus Cristo
voltará no último dia para julgar, e que ressuscitará todos os mortos, dará aos
crentes e eleitos vida e alegria eternas, porém condenará os homens ímpios e os
demónios ao inferno e castigo eterno.
Rejeitam, por isso, os anabaptistas, os quais ensinam que os diabos e os homens
condenados não sofrerão dor e tormento eternos.46
Aqui se rejeitam, outrossim, algumas doutrinas judaicas que também ao presente
se manifestam e segundo as quais antes da ressurreição dos mortos um grupo
constituído integralmente de santos e piedosos terá um reino terrestre e
aniquilará todos os ímpios.
Artigo 18: DO LIVRE ARBÍTRIO
Quanto ao livre arbítrio se ensina que o homem
tem até certo ponto livre arbítrio para viver exteriormente de maneira honesta
e escolher entre aquelas coisas que a razão compreende. Todavia, sem a graça, o
auxílio e a operação do Espírito Santo o homem é incapaz de ser agradável a
Deus, temê-lo de coração, ou crer, ou expulsar do coração as más
concupiscências inatas. Isso, ao contrário, é feito pelo Espírito Santo, que é
dado pela palavra de Deus. Pois Paulo diz em 1 Coríntios 2: “O homem natural
nada entende do Espírito de Deus”.47
E para que se possa reconhecer que nisso não se ensina novidade, eis aí as
claras palavras de Agostinho a respeito do livre arbítrio, aqui citadas do
livro III do Hypognosticon: “Confessamos que em todos os homens há um livre
arbítrio, pois todos têm entendimento e razão naturais, inatos. Não no sentido
de que sejam capazes de algo no que concerne a Deus, como, por exemplo, amar e
temer a Deus de coração. Somente em obras externas desta vida têm liberdade
para escolher coisas boas ou más. Por obras boas entendo as de que é capaz a
natureza, tais como trabalhar ou não no campo, comer, beber, visitar ou não um
amigo, vestir-se ou despir-se, edificar, tomar esposa, dedicar-se a um ofício
ou fazer alguma outra coisa proveitosa e boa. Tudo isso, entretanto, não é nem
subsiste sem Deus; ao contrário: dele e por ele são todas as coisas. Por outro
lado, pode o homem também praticar por escolha própria o mal, como, por
exemplo, ajoelhar-se diante de um ídolo, cometer homicídio, etc.”
Artigo 19: DA CAUSA DO PECADO
Com respeito à causa do pecado ensina-se entre
nós que, embora o Deus omnipotente haja criado a natureza toda e a conserve,
todavia é a vontade pervertida que opera o pecado em todos os maus e
desprezadores de Deus. Pois esta é a vontade do diabo e de todos os ímpios, a
qual, tão logo Deus retraiu a mão, desviou-se de Deus para o mal, conforme diz
Cristo Jo 8: “Quando o diabo profere a mentira, fala do que lhe é próprio.”48
Artigo 20: DA FÉ E DAS
BOAS OBRAS
Os nossos são acusados falsamente de proibirem
boas obras. Pois os seus escritos sobre os Dez Mandamentos bem como outros
escritos49 provam que deram bom e útil ensino e admoestação a
respeito de estados e obras cristãos verdadeiros, de que pouco se ensinou antes
de nosso tempo. Insistia-se, ao contrário, em todos os sermões principalmente
em obras pueris e desnecessárias, tais como rosários, culto de santos, vida
monástica, romarias, jejuns e dias santos prescritos, confrarias, etc. Também o
nosso oponente já não exalta essas obras desnecessárias tanto quanto
antigamente. Além disso, também aprenderam a falar agora da fé, sobre a qual
nada pregaram em tempos anteriores. Agora, contudo, ensinam que não nos
tornamos justos diante de Deus unicamente por obras, mas acrescentam a fé em
Cristo, e dizem que a fé e as obras nos tornam justos diante de Deus. Essa
doutrina pode trazer um pouco mais consolo do que quando apenas se ensina
confiar em obras.
Visto, pois, que a doutrina da fé, que é o
artigo principal no cristianismo, foi negligenciada por tempo tão longo, como é
forçoso confessar, havendo-se pregado apenas doutrina de obras por toda a
parte, os nossos deram a seguinte instrução a respeito:
Em primeiro lugar, que nossas obras não nos
podem reconciliar com Deus e obter graça; isso, ao contrário, sucede apenas
pela fé, quando cremos que os pecados nos são perdoados por amor de Cristo, o
qual, ele só, é o mediador que pode reconciliar o Pai.50 Agora, quem
pensa realizar isso mediante obras e imagina merecer a graça, esse despreza a
Cristo e procura seu próprio caminho a Deus, contrariamente ao evangelho.
Essa doutrina respeito à fé é tratada aberta e
claramente por Paulo em muitas passagens, de modo especial em Efésios 2: “Pela
graça fostes salvos, mediante a fé; e isso não vem de vós, porém é dom de Deus;
não de obras, para que ninguém se glorie, etc.”51
E que aqui não se introduziu interpretação nova
é coisa que se pode provar com Agostinho, que trata essa questão diligentemente
e também ensina assim, a saber, que alcançamos a graça e nos tornamos justos
diante de Deus por intermédio da fé em Cristo e não por obras, conforme mostra
todo o seu livro De spiritu et litera.
Conquanto essa doutrina seja muito desprezada
entre pessoas não experimentadas, verifica-se, todavia, que é muito consoladora
e salutar para as consciências tímidas a apavoradas. Porque a consciência não
pode alcançar descanso e paz mediante obras, porém somente pela fé, quando
chega à segura conclusão pessoal de que por amor de Cristo possui um Deus
gracioso, conforme também diz Paulo Rm 5: “Justificados mediante a fé, temos
descanso e paz com Deus”.52
Em sermões de outrora não se promoveu esse
consolo, porém se impeliram as pobres consciências para as próprias obras, e se
empreenderam diversas espécies de obras. A alguns a consciência impeliu para os
mosteiros, na esperança de que lá poderiam granjear graça mediante vida
monástica. Alguns excogitaram outras obras com o propósito de merecer graça e
satisfazer por pecados. A experiência de muitos deles foi não haverem alcançado
a paz mediante essas coisas. Razão por que foi necessário pregar essa doutrina
da fé em Cristo e dela tratar diligentemente, a fim de que se soubesse que é
somente pela fé, sem mérito, que se apreende a graça de Deus.
Dá-se, outrossim, instrução para mostrar que
aqui não se fala da fé possuída também pelos demónios e os ímpios, os quais
também crêem os relatos53 que contam haver Cristo padecido e que
ressuscitou de entre os mortos; fala-se, ao contrário, da fé verdadeira, que
crê alcançarmos por Cristo a graça e a remissão dos pecados.
Aquele que sabe que por Cristo possui um Deus
gracioso, esse conhece a Deus, o invoca, e não está sem Deus, como os gentios.
Porque demónios e ímpios não crêem nesse artigo da remissão dos pecados. Por
isso é que são inimigos de Deus, não o podem invocar, e nada de bom podem
esperar dele. A Escritura fala sobre a fé no sentido que acabamos de indicar, e
não entende por fé um conhecimento que demónios e homens ímpios têm. Pois em
Hebreus 11 ensina-se, com respeito à fé, que crer não é apenas conhecer a
história, mas ter confiança em Deus e receber sua promessa.54 E
Agostinho também nos lembra que devemos entender a palavra “fé”, na Escritura,
como significando confiança em Deus de que nos é clemente, não apenas conhecer
tais notícias históricas que também os demónios conhecem.55
Ensina-se, ademais, que boas obras devem e têm
de ser feitas,56 não para que nelas se confie a fim de merecer
graça, mas por amor de Deus e em seu louvor. Sempre é a fé somente que apreende
a graça e o perdão dos pecados. E visto que pela fé é dado o Espírito Santo, o
coração também se torna apto para praticar boas obras. Porque antes, enquanto
está sem o Espírito Santo, é demasiadamente fraco. Além disso, está no poder do
diabo, que impele a pobre natureza humana a muitos pecados, como vemos nos
filósofos que se lançaram à empresa de viver vida honesta e irrepreensível e
contudo não conseguiram realizá-lo, porém caíram em muitos pecados graves e
manifestos. É o que acontece ao homem quando está sem a fé verdadeira e sem o
Espírito Santo e se governa apenas pela própria força humana.
Por isso não se deve fazer a essa doutrina
concernente à fé a censura de que proíbe boas obras; antes de ser louvada por
ensinar que se façam boas obras57 e oferecer auxílio quanto a como
se possa chegar a praticá-las. Pois que sem a fé e sem Cristo a natureza e
capacidade humanas são por demais frágeis para praticar boas obras, invocar a
Deus, ter paciência no sofrimento, amar o próximo, exercer com diligência
ofícios ordenados, ser obediente, evitar maus desejos, etc. Tais obras elevadas
e autênticas não podem ser feitas sem o auxílio de Cristo, conforme ele mesmo
diz em Jo 15: “Sem mim nada podeis fazer.”58
Artigo 21: DO CULTO AOS SANTOS
Do culto aos santos os nossos ensinam que
devemos lembrar-nos deles, para fortalecer a nossa fé ao vermos como receberam
graça e foram ajudados pela fé; e, além disso, a fim de que tomemos exemplo de
suas boas obras, cada qual de acordo com sua vocação, assim como Sua Majestade
Imperial pode seguir, salutar e piedosamente, o exemplo de Davi, fazendo guerra
ao turco;59 pois ambos estão investidos em ofício real, que exige
protejam e defendam os seus súbditos. Entretanto, não se pode provar pela
Escritura que se devem invocar os santos ou procurar auxílio junto a eles.
“Porquanto há um só reconciliador e mediador entre Deus e os homens, Jesus
Cristo,” 1 Tm 2,60 o qual é o único Salvador, o único Sumo
Sacerdote, Propiciatório e Advogado diante de Deus Rm 8.61 E somente
ele prometeu que quer atender a nossa prece. E buscar e invocar de coração a
esse Jesus Cristo em todas as necessidades e preocupações também é o culto
divino mais elevado segundo a Escritura: “Se alguém pecar, temos Advogado junto
ao Pai, Jesus Cristo, o justo, etc.”62
Esta63 é, aproximadamente,64
a suma da doutrina que é pregada e ensinada em nossas igrejas, para correcta
instrução cristã e consolo das consciências, e para melhora dos crentes. Pois
que de modo nenhum vamos querer pôr as nossas próprias almas e consciências
diante de Deus no mais sério, no maior dos perigos, mediante abuso do nome ou
da palavra de Deus, nem deixar ou herdar aos nossos filhos e descendentes
doutrina diversa da que concorda com a palavra pura, divina, e com a verdade
cristã. Visto, pois, que essa doutrina se fundamenta claramente na Sagrada
Escritura, e além disso não é contrária nem se opõe à igreja cristã universal,
e, na verdade, tampouco à Igreja Romana,65 quanto se pode coligir
dos escritos dos Pais,66 pensamos também que os nossos oponentes não
podem estar em desacordo connosco nos artigos acima indicados. Agem, por isso,
de maneira totalmente inamistosa, precipitada e contrariamente a toda unidade e
amor cristãos aqueles que por essa razão empreendem, sem qualquer fundamento
sólido em preceito ou Escritura divina, separar, rejeitar e evitar os nossos
como hereges. Porque o distúrbio67 e a dissensão dizem respeito
precipuamente a algumas tradições e abusos. Portanto, já que nos artigos
principais não há ausência de fundamento ou defeito perceptíveis,68
e sendo esta nossa confissão divina e cristã, deveriam os bispos,
justiçosamente, mostrar-se mais brandos, ainda que falha houvesse entre nós com
respeito à tradição, muito embora esperemos apresentar sólido fundamento e
causa quanto à razão por que entre nós houve mudança relativamente a algumas
tradições e abusos.
Artigos sobre os quais há divergências e
em que se recenseiam os abusos que foram corrigidos
Visto, pois, que em nossas igrejas nada69
se ensina sobre os artigos da fé que seja contrário à Sagrada Escritura ou à
igreja cristã universal,70 havendo-se apenas corrigido alguns
abusos, que, em parte, se introduziram por si mesmos com o correr do tempo, e
em parte foram estabelecidos à força, vemo-nos obrigados a recenseá-los e a
indicar a razão por que nestes casos se admitiu modificação, a fim de que a
Majestade Imperial possa ver que não se procedeu aqui de maneira não-cristã ou
petulante,71 porém que fomos compelidos a permitir tal modificação
pelo mandamento de Deus, que com justiça se há de respeitar mais do que
qualquer costume.
Artigo 22: DAS DUAS ESPÉCIES DO
SACRAMENTO
Aos leigos são dadas entre nós ambas as
espécies do sacramento, porque é clara ordem e mandamento de Cristo Mt 26:72
“Bebei dele todos.” Cristo aí ordena com palavras claras, a respeito do cálice,
que todos bebam dele.
E para que ninguém pudesse questionar essas
palavras e glosá-las como se73 pertencesse somente aos sacerdotes,
Paulo74 mostra, em 1 Co 11, que toda a assembleia da igreja
corintíaca usou de ambas as espécies. E esse uso continuou por longo tempo na
igreja, conforme se pode provar com a história e os escritos dos Pais.75
Cipriano76 menciona em muitos lugares que naquele tempo se dava o
cálice aos leigos. E São Jerónimo diz que os sacerdotes que administram o
sacramento distribuem ao povo o sangue de Cristo.77 O próprio Papa
Gelásio ordena que não se divida o sacramento Distinct . 2. De consecratione
cap. Comperimus.78 Também não se encontra em parte nenhuma79
um cânone que ordene se receba apenas uma das espécies. E ninguém pode saber
quando ou por quem foi introduzido esse costume de receber uma só espécie,
ainda que o Cardeal Cusano menciona o tempo em que esse uso teria sido
aprovado. Agora, é manifesto que tal costume, introduzido contrariamente ao
preceito de Deus, bem como contrariamente aos cânones antigos, é incorrecto.
Razão por que foi impróprio onerar as consciências daqueles que desejaram fazer
uso do Santo Sacramento de acordo com a instituição de Cristo, e coagi-los a
procederem contrariamente à ordenação de Cristo Senhor nosso. E visto ser a
divisão do sacramento contrária à instituição de Cristo, omite-se também entre
nós a costumeira procissão com o sacramento.80
Artigo 23: DO MATRIMÓNIO DOS SACERDOTES
Houve no mundo entre todos, quer de alto, quer
de baixo estado, magna e poderosa queixa a respeito de grande incontinência e
procedimento e vida dissolutos dos sacerdotes que não foram capazes de se
manterem continentes, e, na verdade, se alcançara o auge com tais vícios
terríveis. Para evitar tanto escândalo feio e grande, adultério e outra
impudicícia, alguns sacerdotes entre nós entraram no estado matrimonial. Com
razão indicam que a isso foram impelidos e movidos por grande aflição de suas
consciências, à vista do facto de a Escritura testemunhar claramente que o
estado matrimonial foi instituído pelo Senhor Deus para evitar impureza, como
diz Paulo: “Por causa da impureza, cada um tenha a sua própria esposa.”81
Também: “É melhor casar do que viver abrasado.”82 E Cristo, ao
dizer, em Mt 19: “Nem todos captam essa palavra”,83 indica, ele que
bem sabia qual a situação do homem, que poucas pessoas têm o dom da castidade.
“Pois Deus criou o ser humano como homem e mulher” Génesis 1.84 Se
está ou não no poder ou capacidade do homem melhorar ou modificar, sem especial
dom e graça de Deus, por resolução ou voto próprios, a criação de Deus, a
excelsa Majestade, decidiu-o muito claramente a experiência. Qual o bem, que
vida honrosa e casta, que conduta cristã, honesta ou íntegra daí resultou no
caso de muitos, quão terrível e pavoroso desassossego e tormento de consciência
muitos tiveram no fim da vida por causa disso, é coisa manifesta, e muitos
dentre eles o confessaram pessoalmente. Como, pois, a palavra e o mandamento de
Deus não podem ser alterados por nenhum voto ou lei humanos, por essas e outras
razões e causas os sacerdotes e outros clérigos casaram.
Também se pode provar com a história e os
escritos dos Pais que na igreja cristã antiga houve o costume de os sacerdotes
e diáconos casarem.85 Diz Paulo, em vista disso 1 Tm 3: “É
necessário, portanto, que o bispo seja irrepreensível, esposo de uma só
mulher”.86 E faz apenas quatrocentos anos que na Alemanha os
sacerdotes foram compelidos à força a deixarem o matrimónio e fazerem voto de
castidade. Todos se opuseram a isso com tamanha seriedade e rijeza, que um
arcebispo de Mogúncia, o qual publicara o novo édito papal a respeito, quase
foi morto no tumulto de uma revolta de todo o corpo sacerdotal.87 E
aquela proibição logo no começo foi efectivada com tanta rapidez e
impropriedade, que o papa, ao tempo, não só proibiu o matrimónio de sacerdotes
para o futuro, mas ainda rompeu o casamento daqueles que havia muito já estavam
nesse estado, o que não é apenas contrário a todo direito, divino, natural e
civil, mas também inteiramente oposto e contrário aos cânones estabelecidos
pelos próprios papas, bem como aos mais renomados concílios.88
Também se tem ouvido frequentes vezes muitas
pessoas eminentes, devotas e sensatas expressarem opiniões e receios similares:
que tal celibato obrigatório e privação do matrimónio, que o próprio Deus
instituiu e deixou livre ao homem, nunca produziu qualquer bem, mas introduziu
muitos vícios grandes e malignos e muitas maldades. Até um dos papas, Pio II,
conforme mostra sua biografia, muitas vezes disse - e permitiu que lhe fossem
atribuídas - estas palavras: que pode haver algumas razões por que seja o matrimónio
proibido aos clérigos; mas que havia razões muito mais elevadas, muito maiores
e muito mais importantes por que novamente se lhes devia deixar livre o
matrimônio.89 Sem dúvida nenhuma, o Papa Pio, como homem ajuizado e
sábio, falou essa palavra por causa de grave receio.90
Queremos, por isso, em submissão à Majestade
Imperial, confiar que Sua Majestade, como imperador cristão, digno de alto
louvor, graciosamente levará em conta que ao presente, nesses últimos tempos e
dias, de que faz menção a Escritura, o mundo se tornará cada vez pior e os
homens sempre mais infirmes e frágeis.
Por isso é muito necessário, útil e cristão
fazer esse exame cuidadoso, a fim de não suceder que, proibido o casamento, se
alastrem piores e mais vergonhosas impudicícias e vícios nas terras germânicas.
Pois que sem dúvida ninguém será capaz de alterar ou fazer essas coisas mais
sabiamente ou melhor que o próprio Deus, que instituiu o matrimónio, para
socorrer a fragilidade humana e prevenir a impureza.
Assim também os antigos cânones dizem que de
vez em quando se deve abrandar e relaxar a severidade e o rigor,91
por causa da fragilidade humana e a fim de acautelar e atalhar coisas piores.
Ora, tal sem dúvida seria cristão e mui
necessário também no caso presente. E que prejuízo poderia trazer para a igreja
cristã universal o matrimónio dos sacerdotes e do clero, especialmente o dos
pastores e de outros que devem servir a igreja? A continuar por mais tempo essa
dura proibição do matrimónio, provavelmente haverá falta de sacerdotes e
pastores no futuro.
Estando, pois, fundamentado na palavra e no
mandamento de Deus isso de os sacerdotes e clérigos poderem casar, e provando a
história, além disso, que os sacerdotes casavam, e havendo o voto de castidade
produzido número tão elevado de feios e incristãos92 escândalos,
tanto adultério, tão horrível e inaudita imoralidade e vícios hediondos, que
até alguns homens honestos de entre os cônegos,93 bem como alguns
cortesões94 de Roma, muitas vezes reconheceram o facto e
lastimosamente alegaram que tais vícios in clero,95 por horrendos e
desmedidos, haveriam de suscitar a ira de Deus, é deplorável que o matrimónio
cristão não só tenha sido proibido, mas que em alguns lugares se haja tido o
atrevimento de castigá-lo sem demora, como se fosse grande maldade, não
obstante haver Deus ordenado na Sagrada Escritura que se tenha em toda a honra
o estado matrimonial. Da mesma forma é o matrimónio grandemente exaltado no
direito imperial e em todas as monarquias em que houver leis e direito. Só96
em nosso tempo é que se começa a martirizar as pessoas, apesar de inocentes,
apenas por causa de casamento, e acresce que se faz isso com sacerdotes, que
deveriam ser poupados acima de outros. E isto sucede não só contrariamente ao
direito divino, mas ainda em oposição aos cânones. Paulo apóstolo 1 Tm 4 chama
às doutrinas que proíbem o casamento ensino de demônios.97 Assim o
mesmo Cristo diz Jo 8 que o diabo é homicida desde o princípio.98
Bem concordam as duas sentenças, por forma que realmente devem ser ensinos de demónios
proibir o casamento e atrever-se a manter semelhante doutrina com derramamento
de sangue.
Todavia, assim como nenhuma lei humana pode
abrir ou modificar o mandamento de Deus, da mesma forma também nenhum voto pode
alterar o preceito divino. Essa também a razão de São Cipriano aconselhar
deverem casar as mulheres que não guardam a castidade jurada, e diz epist. 11
assim: “Se, porém, não querem ou não podem guardar a castidade, é melhor que
casem do que caírem no fogo por sua volúpia. E devem acautelar-se bem para não
causarem nenhum escândalo aos irmãos e irmãs.99
Ademais, todos os cânones mostram grande
leniência e equidade para com aqueles que fizeram voto quando jovens. E foi na
mocidade que a maioria dos sacerdotes e monges acabou nesse estado, por
ignorância.
Artigo 24: DA MISSA
Injustamente são os nossos acusados de haverem
abolido a missa. Pois é manifesto, sem jactância, que a missa entre nós é
celebrada com maior devoção e seriedade que entre os adversários. E as pessoas
também são instruídas muitas vezes e com o máximo zelo sobre o Santo Sacramento,
para que foi instituído e como deve ser usado, a saber, a fim de com ele
consolar as consciências atemorizadas, através do que o povo é atraído para a
comunhão e missa. Ao mesmo tempo também se dá instrução contra outras, erróneas
doutrinas concernentes ao sacramento. Não houve, outrossim, modificação notável
nas cerimónias públicas da missa, à excepção do facto de em alguns lugares se
cantarem hinos alemães além dos latinos, para instruir e exercitar o povo, já
que a finalidade principal de todas as cerimônias é que o povo delas aprenda o
que lhe é necessário saber de Cristo.
Antes de nosso tempo, entretanto, a missa foi
mal-usada de diversas maneiras, como é notório, de tal sorte, que foi
transformada em feira, havendo sido comprada e vendida, e, na maior parte,
celebrada em todas as igrejas por causa do dinheiro. Homens eruditos e piedosos
censuraram esse abuso repetidas vezes, mesmo antes de nosso tempo. Depois que
os pregadores entre nós pronunciaram sermões a esse respeito e os sacerdotes
foram advertidos da terrível ameaça100 que deve com justiça101
mover a todo cristão, a saber, que é réu do corpo e do sangue de Cristo quem
usar o sacramento indignamente,102 depois disso essas missas
comerciais e missas particulares,103 que até aqui haviam sido celebradas
compulsoriamente por causa do dinheiro e das prebendas,104 foram
abolidas em nossas igrejas.
Ao mesmo tempo foi censurado o terrível erro de
se haver ensinado que Cristo, Senhor nosso, mediante a sua morte satisfez
apenas pelo pecado original e que instituiu a missa como sacrifício pelos
outros pecados, tendo-se, assim, transformado a missa em sacrifício pelos vivos
e pelos mortos, sacrifício pelo qual se tirem pecados e se reconcilie a Deus.
Disso, ademais, resultou haver-se discutido se uma missa rezada por muitos
merecia tanto como dizer missas especiais para indivíduos. Daí é que veio a
grande, inumerável multiplicidade de missas, de forma tal, que se quis com essa
obra alcançar junto a Deus tudo quanto se precisava. Entrementes, a fé em
Cristo e o culto verdadeiro ficaram esquecidos.
Houve, por isso, instrução a respeito, como sem
dúvida o exigia a necessidade, para que se soubesse qual a maneira acertada de
usar o sacramento. Em primeiro lugar, a Escritura mostra, em muitos lugares,
que pelo pecado original e por outros pecados nenhum sacrifício há senão a só
morte de Cristo. Pois está escrito ad Hebraeos105 que Cristo se
ofereceu uma única vez, satisfazendo com esse sacrifício por todos os pecados.106
É novidade de todo inaudita na doutrina eclesiástica isso de que a morte de
Cristo haja satisfeito somente pelo pecado hereditário e não também por outros
pecados. É de se esperar, por isso, compreendam todos107 que esse
erro não foi censurado injustamente.
Em segundo lugar, São Paulo ensina que alcançamos
graça diante de Deus pela fé, não por obras. Manifestamente contrário a isso é
o abuso da missa de pensar que se obtém graça mediante essa obra. E é sabido
que se usa a missa a fim de por ela remover pecados, bem como para conseguir de
Deus graça e toda sorte de bens, não apenas o sacerdote para si mesmo, porém
ainda pelo mundo inteiro e por outros, vivos e mortos.
Em terceiro lugar, o Santo Sacramento foi instituído não para com ele
estabelecer um sacrifício pelo pecado - pois o sacrifício já sucedeu
anteriormente - , mas a fim de que por ele se nos desperte a fé e se consolem
as consciências, as quais pelo sacramento percebem que Cristo lhes promete a
graça e a remissão dos pecados. Razão por que esse sacramento requer fé, sendo
em vão seu uso sem fé.
Visto, pois, que a missa não é sacrifício para
tirar os pecados de outros, vivos ou mortos, devendo, ao contrário, ser
comunhão em que o sacerdote e outros recebem o sacramento para si mesmos,
observa-se entre nós o costume de celebrar missa em dias santos, e, havendo
comungantes, em outros dias; e aqueles que o desejam são comungados. De sorte
que entre nós a missa é preservada em seu uso correto, tal como foi observada
na igreja em outros tempos, conforme se pode provar com São Paulo 1 Co 11.108
e além disso pelos escritos de muitos Pais. Crisóstomo informa como o
sacerdote, diariamente, fica em pé e convida uns à comunhão e a outros proíbe
que se aproximem. Também indicam os cânones antigos que um oficiava e comungava
os outros sacerdotes e diáconos. Pois assim rezam as palavras no cânone niceno:
Os diáconos, de acordo com sua ordem, devem receber o sacramento depois dos
sacerdotes, das mãos do bispo ou do sacerdote.109
Já que nisso não se introduziu, por
conseguinte, nenhuma coisa nova, que não haja existido na igreja desde tempos
antigos, e visto que também não houve modificação notável nas cerimónias
públicas da missa, exceptuado o facto de as outras missas, desnecessárias,
rezadas, talvez110 por abuso, a de mais da missa paroquial,111
foram eliminadas, não se deve, por justiça, condenar como herética e não-cristã
essa maneira de celebrar missa. Pois em tempos passados, também nas igrejas
grandes, onde havia gente, não se rezava missa diariamente, nem mesmo nos dias
em que o povo se reunia.
Conforme indica a Tripartita Histria lib. 9,112
em Alexandria, às quartas e sextas-feiras, era lida e interpretada a Escritura,
e realizavam-se os demais actos de culto sem a celebração da missa.
Artigo 25: DA CONFISSÃO
Os nossos pregadores não aboliram a confissão.
Pois conserva-se entre nós o costume de não dar o sacramento àqueles que não
foram previamente examinados e absolvidos. Ao mesmo tempo se instrui
diligentemente o povo sobre o quanto é consoladora a palavra da absolvição e em
quão elevada estima se deve ter a absolvição. Pois que não é voz ou palavra do
homem que a pronuncia,113 senão palavra de Deus, o qual perdoa os
pecados. Por que é pronunciada em lugar de Deus e por ordem de Deus. No tocante
a essa ordem e poder das chaves ensina-se, com grande diligência, quanto é
consoladora e necessária para as consciências aterrorizadas. Ensina-se, além
disso, como Deus Exige que creiamos nessa absolvição, não menos do que se a voz
de Deus soasse do céu, e que alegremente nos devemos consolar da absolvição e
saber que por essa fé alcançamos a remissão dos pecados. Em tempos passados os
pregadores, que ensinavam muito a respeito da confissão, não mencionaram sequer
uma palavrinha concernente a esses pontos necessários, porém apenas
martirizaram as consciências com longa enumeração de pecados, com satisfações,
indulgências, romarias e coisas semelhantes. E muitos de nossos oponentes
confessam eles mesmos que escrevemos e tratamos do verdadeiro arrependimento
cristão mais apropriadamente do que se fez, anteriormente, por longo tempo.
E da confissão se ensina assim: que ninguém
deve ser constrangido a contar os pecados designadamente.114 Porque
isso é impossível, conforme diz o Salmo: “Quem conhece os delitos?”115
E Jeremias diz: “Tão maligno é o coração do homem, que não há penetrar-lhe os
segredos.”116 A mísera natureza humana está engolfada tão
profundamente em pecados, que é incapaz de ver ou conhecer a todos, e se
fôssemos absolvidos apenas daqueles que podemos enumerar, pouco nos ajudaria
isso. Razão por que é desnecessário constranger as pessoas a contarem os
pecados nomeando-os expressamente. Assim também pensaram os Pais, como se vê em
Dist. I de poenitentia, onde são citadas estas palavras de Crisóstomo: “Não
digo que te exponhas publicamente, nem que a ti mesmo denuncies ou declares
culpado junto a outrem, mas obedece ao profeta, que diz: “Revela ao Senhor os
teus caminhos.”117 Por isso, além de tua oração, confessa-te ao
Senhor Deus, o verdadeiro juiz: não diga os teus pecados com a língua, mas em
tua consciência.”118 Aqui se vê claramente que Crisóstomo não obriga
a uma enumeração especificada dos pecados. Também a Glossa in Decretis, de
poenitentia, Dist. 5 ensina que a confissão não é ordenada pela Escritura,
porém que foi instituída pela igreja.119 Os nossos pregadores,
todavia, ensinam diligentemente que a confissão deve ser conservada por causa
da absolvição - que é sua parte principal e mais importante -, para consolo das
consciências aterrorizadas, e ainda por algumas outras razões.120
Artigo 26: DA DISTINÇÃO DE COMIDAS
Em tempos anteriores ensinou-se, pregou-se e
escreveu-se que diferença de comidas e tradições semelhantes instituídas por
homens servem para merecer graça e satisfazer pelos pecados.121 Por
essa razão se excogitaram diariamente novos jejuns, novas cerimónias, novas
ordens e coisas semelhantes, e nisso se insistiu com veemência e energia, como
se tais coisas fossem culto divino necessário pelo qual se merecesse graça se a
gente o observasse e como se sua inobservância constituísse grande pecado.
Disso resultaram muitos erros perniciosos na igreja.
Em primeiro lugar, com isso se obscurecem a
graça de Cristo e a doutrina da fé, que o evangelho põe diante de nós com
grande seriedade, insistindo vigorosamente que se considere o mérito de Cristo
como algo de grande e precioso e se saiba que a fé em Cristo deve ser posta
muito acima de todas as obras. Por isso São Paulo batalhou com veemência contra
a lei de Moisés e as tradições humanas, para aprendermos que diante de Deus não
nos tornamos piedosos mediante as nossas obras, porém somente pela fé em
Cristo, que alcançamos a graça por amor de Cristo. Essa doutrina extinguiu-se
quase que por completo com isso de se haver ensinado a merecer graça por jejuns
prescritos, distinção de manjares, vestimenta, etc.
Em segundo lugar, tais tradições também
obscureceram os mandamentos de Deus, pois foram colocadas muito acima dos
preceitos divinos. Só se considerava vida cristã isto: observar as festas dessa
maneira, rezar dessa maneira, jejuar dessa maneira, vestir-se dessa maneira. A
isso é que se chamava vida espiritual, cristã. Ao mesmo passo, outras obras
necessárias e boas eram consideradas coisa mundana, não-espiritual, a saber,
aquelas que cada qual deve fazer de acordo com sua vocação, como, por exemplo, que
o chefe de família trabalhe para sustentar mulher e filhos e criá-los no temor
de Deus, que a mãe de família dê à luz filhos e zele por eles, que um príncipe
e magistrado governe o país e o povo, etc. Tais obras, ordenadas por Deus,
cumpria tê-las na conta de coisa secular e imperfeita. As tradições, porém,
tinham de ter o esplêndido nome de serem as únicas obras santas e perfeitas.
Razão por que não havia limite nem fim quanto à feitura de tais tradições.
Em terceiro lugar, essas tradições se tornaram
grande peso para as consciências. Porque não era possível guardá-las todas, e o
povo, todavia pensava que isso era culto divino necessário. Escreve Gérson que
muitos caíram em desespero com isso e alguns até cometeram suicídio por não
terem ouvido nenhum consolo da graça de Cristo. Vê-se nos sumistas e teólogos
como as consciências eram confundidas. Meteram eles ombro à tarefa de coligir
as tradições e procuraram atenuantes para auxiliar as consciências. Tanto se
ocuparam com isso, que entrementes ficaram negligenciados todos os salutares
ensinamentos cristãos a respeito de coisas mais necessárias, como, por exemplo,
a fé, o consolo em tentações severas, e coisas semelhantes. Também grande
número de pessoas piedosas e eruditas antes de nosso tempo queixaram-se muito
de que tais tradições causavam muita contenda na igreja e de que pessoas
devotas eram impedidas com isso de chegarem ao verdadeiro conhecimento de
Cristo. Gérson e alguns outros fizeram queixa veemente a esse respeito. Na
verdade, também desagradou a Agostinho o facto de as consciências haverem sido
oneradas com tantas tradições. Razão por que no assunto dá instrução no sentido
de que não se devem considerá-las coisas necessárias.
Os nossos, por isso, não ensinaram acerca
dessas coisas por petulância ou desprezo da autoridade espiritual: foi, isto
sim, a grande necessidade que exigiu dessem instrução concernente aos erros
supramencionados, que surgiram de inteligência errónea da tradição. Porque o
evangelho obriga a urgir na igreja a doutrina da fé, a qual, todavia, não pode
ser entendida quando se pensa merecer graça por obras de própria escolha. Ensina-se a esse respeito que pela observância
das mencionadas tradições humanas não se pode merecer graça, ou reconciliar a
Deus, ou satisfazer pelo pecado. E por isso não se deve fazer delas culto
divino necessário. Para tanto citamos razões da Escritura. Em Mt 15122
Cristo escusa os apóstolos quando não observaram tradições costumeiras, e diz:
“Em vão me adoram com preceitos humanos.”123 Ora, se a isso chama de
culto vão, não pode ser necessário. E logo em seguida: “Não é o que entra pela
boca o que contamina o homem.”124 Paulo também diz Rm 14: “O reino
de Deus não é comida nem bebida.” 125 Cl 2: “Ninguém vos julgue por
causa de comida, bebida, sábados, etc.”126 Diz Pedro em Atos 15:
“Por que tentais a Deus, pondo sobre a cerviz dos discípulos um jugo que nem
nossos pais puderam suportar, nem nós? Mas cremos que seremos salvos pela graça
de nosso Senhor Jesus Cristo, como também aqueles o foram.”127 Aqui
Pedro proíbe onerar as consciências com mais cerimónias externas, sejam de
Moisés, sejam de outro. E em 1 Tm 4 interdições tais como proibir comidas,
proibir o casamento, etc. são chamadas doutrinas de demônios.128
Pois é diametralmente oposto ao evangelho instruir ou fazer semelhantes obras
com o fim de por elas merecer perdão dos pecados ou por pensar que ninguém pode
ser cristão em tal culto.
Agora, quanto ao facto de aqui os nossos serem
acusados de proibir mortificação e disciplina, como fez Joviniano,129
colher-se-á coisa bem diversa dos escritos deles. Pois com respeito à santa
cruz sempre ensinaram que os cristãos devem sofrer, e isto é mortificação
verdadeira, séria, que não inventada.
Ensinam, além disso, que cada um deve haver-se
de tal maneira com exercício corporal, como jejum e outros labores, que não dê
ocasião ao pecado, não para merecer graça com tais obras. Esse exercício
corporal não deve ser praticado apenas em alguns dias determinados, mas
continuamente. Cristo fala disso em Lc 21: “Acautelai-vos por vós mesmos, para
que nunca vos suceda que os vossos corações fiquem sobrecarregados com as consequências
da orgia”.130 Também: “Essa casta de demónios não pode ser expulsa
senão por meio de jejum e oração.”131 E Paulo diz que esmurra o seu
corpo e o reduz à obediência.132 Com isso indica que a mortificação
não deve servir para a finalidade de com ela merecermos graça, mas para manter
o corpo idóneo, a fim de que não impeça o que a cada qual é ordenado fazer
segundo a sua vocação. De sorte que não se condena o jejum, mas isso de se
haver feito dele um culto necessário, com dias e comidas determinados, para
confusão das consciências.
Também se guardam entre nós muitas cerimónias e
tradições, como a ordem da missa e outros cânticos, festas, etc., que servem
para manter ordem na igreja. Ao mesmo tempo, todavia, ensina-se ao povo que
esse culto divino externo não torna justo diante de Deus e que se deve
observá-lo sem onerar a consciência, por forma que, se for omitido sem causar
escândalo, não há nisso pecado. Essa liberdade em cerimónias exteriores também
foi mantida pelos Pais antigos. Pois no Oriente a Páscoa era celebrada em época
diversa da de Roma. E como alguns quisessem considerar essa diversidade como
cisma na igreja, foram admoestados por outros de que não era necessário
observar uniformidade em tais costumes. Ireneu diz o seguinte: “Diferença no
jejum não rompe a unidade da fé.”133 Também na Dist. 12 está
escrito, no tocante a essa dissemelhança em ordenações humanas, que ela não
contraria a unidade da cristandade. E a Tripartita Hist. lib. 9 colige muitos
usos eclesiásticos desiguais e inclui uma proveitosa sentença cristã: “Não foi
intenção dos apóstolos instituir dias santos, mas ensinar fé e amor.”134
Artigo 27: DOS VOTOS MONÁSTICOS
Para falar dos votos monásticos é preciso que lembremos em primeiro lugar como
se procedeu a esse respeito até agora, que espécie de vida houve nos mosteiros,
e que muitas coisas se fizeram neles todos os dias não só contrariamente à
palavra de Deus, mas também ao direito papal. Nos tempos de Santo Agostinho as
ordens monásticas eram livres. Depois, quando se corromperam a verdadeira
disciplina e doutrina, inventaram-se votos monásticos, e por meio deles se
tentou restaurar a disciplina, como que por cárcere planejado.
Além disso, adicionou-se aos votos monásticos
grande número de outras coisas, e com tais cadeias e gravames foram carregados
muitos, também antes da idade apropriada.
Aconteceu outrossim que muitas pessoas chegaram
à vida monacal por ignorância. Ainda que não eram demasiadamente jovens,
todavia não mediram nem entenderam suficientemente sua capacidade. Todos esses,
enredados e envolvidos dessa maneira, eram obrigados e compelidos a permanecer
nessas cadeias, não obstante o próprio direito papal conceder liberdade a
muitos deles. E isso foi mais duro em conventos de freiras do que nos de
frades, quando teria sido conveniente poupar as mulheres, como o sexo frágil.
Esse rigor e dureza também desagradaram em tempos anteriores a muitas pessoas
piedosas, pois certamente viam que meninos e meninas eram metidos em mosteiros
para fins de subsistência material. Por certo viram, outrossim, quão mau foi o
resultado dessa empresa, que escândalos e opressão de consciências trouxe. E muitas
pessoas se queixaram do facto de em tão perigoso assunto os cânones haverem
sido de todo negligenciados. Houve, além disso, opinião tal sobre os votos
monásticos, que, como é manifesto, desagradou também a muitos monges de algum
entendimento.
Alegavam que votos monásticos eram iguais ao baptismo
e que pela vida monástica se mereciam remissão dos pecados e justificação
diante de Deus.135 Na verdade, acrescentavam ainda que pela vida
monástica se merecia não só justiça e santidade, mas também que por essa vida
se cumpriam os preceitos e os conselhos incluídos no evangelho, de modo que se
exaltavam os votos monásticos mais do que o baptismo. Afirmava-se, outrossim,
que se merece mais com a vida monástica do que com todos os outros estados de
vida que Deus ordenou, como o de pastor e pregador, o de governante, príncipe,
senhor e similares, os quais todos servem a sua vocação, de acordo com o
mandamento, a palavra e a ordem de Deus, sem espiritualidade fictícia. Nenhum
desses pontos pode ser negado, pois que se encontram em seus próprios livros.
Ademais, quem era assim enredado e acabava no
mosteiro, pouco aprendia sobre Cristo. Antigamente havia nos mosteiros escolas
de Letras Sagradas e de outras disciplinas úteis à igreja cristã, de sorte que
dos mosteiros se tomavam pastores e bispos. Agora, porém, a coisa é muito
diferente. Em tempos passados congregavam-se em vida monacal para estudar a
Escritura; agora alegam que o monacato é de natureza tal, que por ele se
merecem a graça de Deus e a justiça diante dele. Na verdade, consideram-no estado
de perfeição e o põem muito acima dos outros estados, que foram instituídos por
Deus. Tudo isso é mencionado, sem qualquer detracção, para que se possa
perceber e entender tanto melhor o que os nossos ensinam e pregam e como o
fazem.Em primeiro lugar, ensina-se entre nós, com
respeito aos que casam, que todos aqueles que não são aptos para o celibato têm
poder, razão e direito de contrair matrimónio. Porque os votos não podem anular
a ordenação e o mandamento de Deus. Ora, o preceito divino reza assim 1 Co 7:
“Por causa da impureza, cada um tenha a sua própria esposa e cada uma o seu
próprio marido.”136 Ademais, não só o mandamento de Deus, mas também
a criação e a ordenação de Deus impulsam, obrigam e compelem ao estado
matrimonial a quantos não foram agraciados com o dom da castidade137
por especial obra de Deus, segundo estas palavras do próprio Deus Gn 2: “Não é
bom que o homem esteja só: far-lhe-ei uma auxiliadora que lhe seja idônea.”138
Que é que se pode objectar a isso? Enalteça-se o voto e a obrigação o quanto se
queira; sobreexalte-se a coisa o quanto se possa; ainda assim não se pode
conseguir que com isso seja ab-rogado o mandamento de Deus. Dizem os doutores
que os votos também não são obrigatórios quando feitos contrariamente ao
direito papal; quanto menos então devem vincular, ser válidos e ter força
contra o mandamento de Deus!
Se nenhuma razão existisse pela qual a
obrigação dos votos pudesse ser anulada, também os papas não teriam dispensado
e desobrigado deles. Pois não é da competência de nenhum homem rescindir
obrigação que se origina de direito divino. Razão por que aos papas julgaram
acertadamente que se deve exercer alguma equidade nessa obrigação, e muitas
vezes concederam dispensa, como no caso de um rei de Aragão e em grande número
de outros casos. Ora, se houve dispensa para conservar coisas temporais, com
muito mais justiça deve haver dispensa por causa de necessidade das almas.
Depois, por que os oponentes insistem com tanta
energia que se devem guardar os votos sem considerarem primeiro se é própria a
espécie de voto? Pois o voto deve dizer respeito a coisa possível e deve ser
voluntário, inconstrangido.139 Mas bem se sabe como a castidade
perpétua está no poder e na capacidade do homem. E são poucos os homens e as
mulheres que fizeram o voto monástico de moto próprio, voluntária e reflectidamente.
Antes de chegarem a correcto entendimento, são persuadidos ao voto monástico.
Vez que outra também são forçados e impelidos a isso. Razão por que não é justo
que se discuta com tanta imponderação140 e rigidez sobre a obrigação
do voto, à vista do facto de todos confessarem ser contrário à natureza e ao carácter
do voto isso de não se prometer voluntariamente e a bom conselho e com
reflexão.
Alguns cânones e leis papais anulam os votos
feitos antes da idade de quinze anos, pois julgam que antes dessa idade não se
tem entendimento suficiente para poder determinar a ordem de toda a vida, como
se deve constituí-la. Outro cânone concede mais anos ainda à fragilidade
humana, pois proíbe que se faça o voto monástico antes dos dezoito anos. Isso
dá à maioria escusa e razão para abandonarem os mosteiros, porquanto a maior
parte chegou aos mosteiros na infância, antes daquela idade.
Por último, ainda que se pudesse censurar a
violação do voto monástico não poderia, contudo, seguir-se daí que se deva
dissolver o casamento de tais pessoas. Porque Santo Agostinho diz 27. quaest.
I, cap. Nuptiarum que não se deve dissolver tal matrimónio. E não é diminuto o
prestígio de Santo Agostinho na igreja cristã, ainda que outros,
posteriormente, julgaram de maneira diversa.
Se bem que o mandamento de Deus concernente ao matrimónio
liberta a muitos deles do voto monástico, os nossos, contudo, apresentam ainda
mais razões para mostrar que votos monásticos são nulos e não-vinculativos.
Porque todo culto divino instituído e escolhido por homens, sem mandamento e
ordem de Deus, para alcançar justiça e a graça de Deus, é oposto a Deus e
contrário ao santo evangelho e à ordem de Deus, como diz o próprio Cristo em Mt
15: “Em vão me adoram com preceitos de homens.”141 Também São Paulo
ensina em toda a parte que não devemos procurar a justiça em nossos preceitos e
cultos divinos, inventados por homens, porém que justiça e piedade diante de
Deus vêm da fé e da confiança, de crermos que Deus nos recebe na graça por
causa de Cristo, seu único Filho.
Ora, é mui notório haverem os monges ensinado e
pregado que a espiritualidade excogitada satisfaz pelo pecado e alcança a graça
e a justiça de Deus. Que é isto senão diminuir a glória e o louvor da graça de
Cristo e negar a justiça da fé? Segue-se, portanto, daí que esses votos
costumeiros foram cultos divinos impróprios, falsos. Razão por que também não
vinculam. Pois voto ímpio e feito contrariamente ao preceito de Deus é
não-vinculativo e nulo. Também os cânones ensinam que o juramento não deve ser
vínculo de pecado.
Diz São Paulo em Gálatas 5: “De Cristo vos
desligastes vós que procurais justificar-vos na lei, da graça decaístes.”142
Por isso também estão desligados de Cristo e decaíram da graça aqueles que
querem ser justificados por intermédio de votos, pois roubam a honra de Cristo,
o único que justifica, e dão essa honra a seus votos e a sua vida monástica.
Não se pode negar, outrossim, haverem os monges
ensinado e pregado que eram justificados e mereciam a remissão dos pecados por
meio de seus votos e vida e observância monásticas. Na verdade, inventaram
coisa ainda mais desastrada e absurda, dizendo que partilhavam suas boas obras
aos outros. Agora, se alguém quisesse repisar e salientar tudo isso
impiedosamente,143 quanta coisa poderia reunir de que os próprios
monges agora se envergonham e que quiseram não ter feito! Além de tudo isso
também persuadiram as pessoas de que as ordens espirituais inventadas são
estados de perfeição cristã. Isto, sem dúvida, é exaltar as obras como meio de
justificação. Ora, não é pequeno escândalo na igreja cristã apresentar ao povo
semelhante culto, inventado pelos homens sem preceito de Deus, e ensinar que
tal culto torna os homens íntegros e justos diante de Deus. Porque a justiça da
fé, em que se deve insistir mais do que qualquer outra coisa na igreja cristã,
é obscurecida quando os homens são deslumbrados com essa singular
espiritualidade angélica e a simulação de pobreza, humildade e castidade.
Ademais, também os mandamentos de Deus e o
verdadeiro e genuíno culto são obscurecidos quando o povo ouve que apenas os
monges estão no estado de perfeição. Porque a perfeição cristã é isto: temer a
Deus de coração e seriamente, e, contudo, ter, outrossim, cordial certeza, fé e
confiança de que por causa de Cristo temos um Deus gracioso e misericordioso,
que podemos e devemos pedir-lhe e dele desejar aquilo de que carecemos, e
confiantes esperar dele auxílio em todas as aflições, de acordo com a profissão
e o estado de cada um; e que, entrementes, também devemos praticar, com
diligência, boas obras na vida exterior e servir a nossa vocação. Nisso
consiste a verdadeira perfeição e o verdadeiro culto a Deus, não em mendigar ou
em vestir hábito preto ou cinza, etc. Mas o povo comum concebe muitas opiniões
perniciosas a partir da falsa exaltação da vida monástica, quando ouve que se
enaltece sem qualquer moderação o estado celibatário. O resultado é que o povo
está no estado matrimonial de consciência pesada. Quando o homem comum ouve que
apenas os mendicantes são perfeitos, não lhe é possível saber que pode possuir
bens e negociar sem pecado. Quando o povo ouve que não se vingar é apenas um
conselho, segue-se que alguns pensam não ser pecado exercer vingança fora do
ofício. Alguns entendem que vingança de forma nenhuma convém aos cristãos, nem
mesmo à autoridade.
Também se encontram, em leituras, muitos
exemplos de alguns que abandonaram mulher e filhos, também seu ofício
governamental, retirando-se a mosteiros. Isto, disseram eles, é fugir do mundo
e procurar vida que agrada mais a Deus do que o modo de vida dos outros. Nem
podiam saber que se deve servir a Deus nos mandamentos dados por ele, não nos
mandamentos inventados por homens. Ora, estado de vida bom e perfeito é aquele
que tem a seu favor o mandamento de Deus; por outro lado, é perigoso o estado
de vida que não tem a seu favor o mandamento de Deus. Foi necessário dar ao
povo boa instrução a respeito de tais coisas.
Em tempos passados também Gérson censurou o
erro dos monges concernente à perfeição, e indicou que em sua época era
novidade144 isso de se dizer que a vida monástica é estado de
perfeição.
Tantas opiniões e erros ímpios se prendem aos
votos monásticos: que justificam e tornam íntegro diante de Deus, que são a
perfeição cristã, que com eles se cumprem tanto os conselhos como os preceitos
evangélicos, que têm obras supererogatórias,145 as quais não se devem a Deus.
Porquanto tudo isso é falso, vão e inventado, segue-se que também torna nulos e
sem vínculo os votos monásticos.
Artigo 28: DO PODER DOS BISPOS
Muito se escreveu, em tempos passados, sobre o
poder dos bispos, e alguns confundiram, desastrosamente, o poder dos bispos com
a espada temporal. Desse baralhamento desordenado resultaram mui grandes
guerras, tumultos e rebeliões pelo facto de os bispos, sob o pretexto do poder
a eles dado por Cristo, não só haverem instituído novos cultos e onerado as
consciências com a reserva de alguns casos146 e com violentas
excomunhões, mas também se haverem atrevido a entronizar e depor, a seu
talante, imperadores e reis,147 abuso que já muito antes de nosso
tempo foi censurado por pessoas eruditas e piedosas na cristandade. Por isso os
nossos, para consolo das consciências, se viram compelidos a mostrar a diferença
entre o poder, espada e autoridade espiritual e a secular, e ensinaram que por
causa do mandamento de Deus ambos os regimes e poderes devem ser honrados e
estimados, com toda a reverência, como os dois maiores dons de Deus na terra.
Os nossos ensinam que, de acordo com o
evangelho, o poder das chaves ou dos bispos é o poder e ordem de Deus de pregar
o evangelho, remitir e reter pecados e administrar e distribuir os sacramentos.
Pois Cristo enviou os apóstolos com esta ordem Jo 20: “Assim como o Pai me
enviou, eu também vos envio. Recebei o Espírito Santo. Se de alguns perdoardes
os pecados, são-lhes perdoados; se lhos retiverdes, são retidos.”148
Esse poder das chaves ou dos bispos é praticado
e exercido apenas através do ensino e pregação da palavra de Deus e pela
administração dos sacramentos a muitos ou a indivíduos, dependendo da vocação
que se tiver. Pois com isso se conferem não bens corporais, senão coisas e bens
eternos, a saber, justiça eterna, o Espírito Santo e a vida eterna. Não se
podem obter esses bens senão pelo ministério da pregação e pela administração
dos Santos Sacramentos. Porque São Paulo diz: “O evangelho é o poder de Deus
para a salvação de todo aquele que crê.”149 Visto, pois, que o poder
da igreja ou dos bispos confere bens eternos e é praticado e exercido apenas
pelo ofício da pregação, de modo nenhum embaraça o governo e autoridade
temporal. Porque o poder secular trata de coisas muito diferentes das do
evangelho. O poder temporal não protege a alma, porém defende, com a espada e
penas físicas, corpo e bens contra poder externo.
Por isso não se devem baralhar e confundir o
poder espiritual e o temporal. Pois o poder espiritual tem a ordem de pregar o
evangelho e administrar os sacramentos. Também não deve invadir ofício alheio. Não
deve entronizar e destronar reis, não deve ab-rogar ou minar as leis civis e a
obediência ao governo, não deve fazer e prescrever ao poder temporal leis a
respeito de matéria secular, conforme disse o próprio Cristo: “O meu reino não
é deste mundo.”150 Também: “Quem me constituiu juiz entre vós?”151
E São Paulo, em Fp 3: “A nossa pátria está nos céus.”152 E na
Segunda Epístola aos Coríntios, capítulo décimo: ”As armas da nossa milícia não
são carnais, e sim poderosas em Deus, para destruir fortalezas; anulando
sofismas e toda altivez que se levante contra o conhecimento de Deus.”153
Dessa maneira os nossos distinguem os ofícios
de ambas as autoridades e poderes e mandam que os dois sejam tidos em honra
como os dons mais elevados de Deus na terra.
Onde, porém, os bispos possuem autoridade
temporal e a espada, não as têm como bispos, de direito divino, mas de direito
humano, imperial, dadas por imperadores e reis romanos, para administração
temporal de seus bens. E isso nada tem que ver com o ofício do evangelho.
Por isso, segundo o direito divino, o ofício
episcopal é pregar o evangelho, perdoar pecados, julgar doutrina e rejeitar
doutrina que é contrária ao evangelho, e excluir da congregação cristã os
ímpios cuja vida ímpia seja manifesta, sem o emprego de poder humano, mas
apenas pela palavra de Deus. E nisso os paroquianos154 e as igrejas
têm o dever de obedecer aos bispos, de acordo com esta palavra de Cristo Lucas
10: “Quem vos der ouvidos, ouve-me a mim.”155 Todavia, quando
ensinam, introduzem ou estabelecem algo contrário ao evangelho, temos ordem de
Deus de que em tal caso não devemos obedecer. Mt 7: “Acautelai-vos dos falsos
profetas.”156 E São Paulo em Gl 1: “Mas, ainda que nós, ou mesmo um
anjo vindo do céu vos pregue evangelho que vá além do que vos temos pregado,
seja anátema.”157 E na Segunda Epístola aos Coríntios, capítulo 13:
“Porque nada podemos contra a verdade, senão em favor da própria verdade.”158
Também: “Segundo a autoridade que o Senhor me conferiu para edificação, e não
para destruir”.159 O mesmo ordena o direito canónico em 2,q.7, nos
capítulos “Sacerdotes” e “Oves”. E Santo Agostinho escreve na Epístola contra
Petiliano que também aos bispos regularmente eleitos não se deve obedecer caso
errem ou ensinem ou ordenem algo contra a santa e divina Escritura.
Agora, que os bispos, quanto ao mais, tenham
poder e jurisdição em algumas coisas, como, por exemplo, em questões
matrimoniais ou no dízimo, têm-nos em virtude de direito humano. Quando, porém,
os ordinários são negligentes em tal ministério, os príncipes têm a obrigação,
quer o façam prazerosamente ou não, de pronunciar nisso direito160
aos seus súbditos, por amor da paz, para evitar discórdia e grandes distúrbios
nos territórios.
Discute-se, além disso, sobre se os bispos têm poder para instituir cerimónias
na igreja e fazer leis respeito a alimentos, dias santos e diferentes ordens de
ministros da igreja. Os que concedem esse poder aos bispos alegam esta palavra
de Cristo João 16: “Tenho ainda muito que vos dizer, mas vós não o podeis
suportar agora; quando vier, porém, o Espírito da verdade, ele vos ensinará
toda a verdade”.161 Referem também o exemplo de Atos 15, onde
proibiram o sangue e o sufocado. Alega-se ainda que o sábado foi mudado para o
domingo, contrariamente aos Dez Mandamentos, segundo pensam, e nenhum exemplo é
enfatizado e alegado tanto quanto a mudança do sábado. Querem sustentar com
isso que é grande o poder da igreja, porquanto dispensou nos Dez Mandamentos e
modificou algo neles.
Mas a respeito dessa questão os nossos ensinam
que os bispos não têm poder para instituir e estabelecer algo contra o
evangelho, conforme se mostrou acima e como ensina o direito canónico em toda a
Distinção nona. Ora, é evidentemente contrário à ordem e à palavra de Deus
fazer ou decretar leis com o intuito162 de por isso satisfazer pelo
pecado e alcançar a graça. Pois a glória do mérito de Cristo é blasfemada
quando ousamos merecer graça com tais observâncias. Também é patente que por
causa dessa opinião as ordenanças humanas cresceram incalculavelmente na
cristandade e que enquanto isso a doutrina da fé e da justiça da fé esteve
completamente163 suprimida. Diariamente se ordenavam novos feriados,
novos jejuns, e se estabeleciam novas cerimónias e novas venerações de santos,
a fim de com tais obras merecer graça e todo o bem junto a Deus.
Da mesma forma os que instituem ordenanças
humanas também agem contra o mandamento de Deus com isso de porem pecado em
alimentos, dias e coisas semelhantes, e oneram a cristandade com a escravidão
da lei, como se, para merecer a graça de Deus, fosse necessário que existisse
entre os cristãos culto semelhante ao levítico, cuja instituição Deus teria
ordenado aos apóstolos e bispos, como alguns escrevem a respeito. E é bem
crível que alguns bispos foram enganados com o exemplo da lei de Moisés. Daí
provieram tão inumeráveis ordenações: que é pecado mortal fazer trabalho manual
em dias santos, ainda quando não haja ofensa a outros; que é pecado mortal
omitir as horas canônicas;164 que alguns alimentos poluem a consciência;
que jejum é obra com que se reconcilia a Deus; que em caso reservado o pecado
não é perdoado a menos que se preocupe primeiro o reservante do caso, não
obstante o direito canónico não falar da reserva da culpa, senão da reserva das
penas eclesiásticas.
De onde têm os bispos o direito e poder de
impor tais ordenações165 à cristandade, para ilaquear as
consciências? Pois em Atos dos Apóstolos, capítulo 15, São Paulo proíbe que se
ponha o jugo na cerviz dos discípulos.166 E São Paulo diz em Coríntios
que o poder lhes foi dado para edificar, não para destruir.167 Por
que então multiplicam os pecados com tais ordenações?
Existem, porém, claras passagens da divina
Escritura que proíbem estabelecer semelhantes ordenações para merecer a graça
de Deus, ou como se fossem necessárias para a salvação. Assim diz São Paulo em
Colossenses 2: “Ninguém vos julgue, pois, por causa de comida, ou bebida, ou
dias determinados, a saber, os dias de festa, ou as luas novas, ou os sábados,
que é sombra das coisas que haviam de vir, porém o corpo é de Cristo.”168
Também: “Se morrestes com Cristo para os rudimentos do mundo, por que, como se
vivêssemos no mundo, vos deixais prender por ordenanças: não manuseies, não
proves, não toques? Todas estas coisas, com o uso, se destroem e são preceitos
e doutrinas dos homens e têm aparência de sabedoria.”169 E em Tito 1
São Paulo proíbe abertamente que demos ouvidos a fábulas judaicas e mandamentos
de homens que se desviam da verdade.170
Também o próprio Cristo diz, Mt 15, a respeito daqueles
que insistem com as pessoas sobre preceitos humanos: “Deixai-os: são cegos,
guias de cegos.”171 E reprova tais cultos, dizendo: “Toda planta que
meu Pai celeste não plantou, será arrancada.”172
Se os bispos têm o poder de onerar as igrejas
com inúmeras ordenanças e de ilaquear as consciências, por que então a divina
Escritura proíbe tantas vezes fazer e observar ordenanças humanas? Por que lhes
chama doutrinas de demônios?173 Teria o Espírito Santo prevenido
contra tudo isso em vão?
Por isso, visto que tais ordenações, instituídas como necessárias, para
reconciliar a Deus e merecer graça, são contrárias ao evangelho, de modo nenhum
é próprio para os bispos impor semelhantes cultos. Pois é necessário reter na
cristandade a doutrina da liberdade cristã de que não é necessária a servidão
da lei para a justificação, conforme escreve São Paulo aos gálatas, capítulo
quinto; “Para a liberdade foi que Cristo nos libertou. Permanecei, pois, firmes
e não vos submetais de novo a jugo de escravidão.”174 É necessário
conservar o artigo principal do evangelho: que alcançamos a graça de Deus pela
fé em Cristo, sem mérito nosso, e que não a merecemos mediante culto instituído
por homens.
Que se deve pensar, então, do domingo e de
similares ordenanças e cerimónias eclesiásticas? A isso respondem os nossos que
os bispos ou pastores podem fazer ordenações para que as coisas sejam feitas
com ordem na igreja, não a fim de com elas alcançar a graça de Deus, também não
a fim de por elas satisfazer pelo pecado ou obrigar as consciências a que as
tenham na conta de cultos necessários e a julgar que pecam quando deixam de
observá-las sem escândalo. Assim São Paulo ordenou em Coríntios que as mulheres
velem a cabeça na congregação175 e que os pregadores não falem todos
ao mesmo tempo na assembleia, mas ordenadamente, um após outro.176
É conveniente que a assembleia cristã, por
causa do amor e da paz, observe tais ordenações e obedeça aos bispos e pastores
nestes casos, e as guarde até onde um não ofenda o outro, para que não haja desordem
ou anarquia na igreja. Contudo, de maneira tal, que não se onerem as
consciências, de forma a pesarem que são coisas necessárias para a salvação e
haverem que pecam quando as violam sem ofensa para outros. Assim como ninguém
diz pecar a mulher que, sem ofensa para outros, se apresenta em público de
cabeça descoberta.
Tal é a observância do domingo, da Páscoa, do
Pentecostes e feriados e ritos semelhantes. Pois erram muito os que julgam que
a observância do domingo em lugar do sábado foi estabelecida como necessária. A
Sagrada Escritura ab-rogou o sábado e ensina que depois da revelação do
evangelho podem omitir-se todas as cerimónias da lei antiga. Contudo, visto que
era necessário estabelecer um dia determinado, a fim de que o povo soubesse
quando devia reunir-se, a igreja cristã destinou o domingo para esse fim, e
tanto mais agrado e disposição teve relativamente a tal mudança, para que o
povo tivesse um exemplo da liberdade cristã e se soubesse que nem a guarda do
sábado nem de qualquer outro dia é necessária.
Há muitas discussões falhas sobre a mudança da
lei, sobre as cerimónias do Novo Testamento, sobre a mudança do sábado.
Originaram-se todas da falsa e errónea opinião de que devia haver na
cristandade um culto similar ao levítico ou judaico, e de que Cristo haja
ordenado aos apóstolos e bispos que excogitassem novas cerimónias necessárias
para a salvação. Esses erros se introduziram na cristandade quando não se
ensinava e pregava de maneira límpida e pura a justiça da fé. Alguns sustentam
a respeito do domingo que se deve guardá-lo, posto não de direito divino,
contudo quase que como de direito divino. E prescrevem a forma e a medida em
que se pode trabalhar em dia santo. Mas que outra coisa são tais disputas senão
laços para a consciência? Pois ainda que procuram mitigar e epiqueizar
ordenações humanas, contudo não se pode alcançar nenhuma epiquéia177
ou mitigação enquanto está de pé e permanece a opinião de que são necessárias.
Ora, essa opinião necessariamente permanece quando nada se sabe da justiça da
fé e da liberdade cristã.
Os apóstolos ordenaram abstenção do sangue e do
sufocado. Mas quem observa isso hoje em dia? E, contudo, não pecam os que não o
observam, porque os próprios apóstolos não quiseram onerar as consciências com
tal escravidão, mas apenas o proibiram por algum tempo, a fim de evitar
escândalo. Pois nessa ordenação é preciso atentar no artigo principal da
doutrina cristã, que não é ab-rogado por esse decreto.178
Quase nenhum dos cânones antigos é observado
tal qual reza. E diariamente muitas das ordenações se tornam obsoletas, mesmo
entre aqueles que observam essas ordenações de maneira diligentíssima. Não se
pode aconselhar nem auxiliar as consciências onde não se observa essa
mitigação, para sabermos observar essas ordenações de maneira que não as
tenhamos por necessárias, cientes também de que as consciências não são
feridas, ainda que desapareçam tais ordenações.
Os bispos, entretanto, manteriam facilmente a
obediência, se não insistissem na observância daquelas ordenações que não se
podem guardar sem pecado. Mas o que fazem agora é proibir a administração das
duas espécies no Santo Sacramento, proíbem o casamento dos clérigos e a ninguém
recebem a menos que jure primeiro que não vai pregar essa doutrina, não
obstante acordar ela, fora de dúvida, com o Santo Evangelho. As nossas igrejas
não pedem que os bispos voltem a estabelecer a paz e a unidade com prejuízo
para a honra e a dignidade deles, conquanto em caso de necessidade os bispos
devem fazer também isso. Pedem somente que os bispos relaxem algumas cargas
injustas que em tempos passados não existiam na igreja e foram recebidas
contrariamente ao costume da igreja cristã universal. Talvez de início hajam
tido alguma razão, mas em nossos tempos já não são congruentes. Também é
manifesto que algumas ordenanças foram recebidas por causa de falta de
entendimento. Razão por que os bispos deveriam ter a bondade de mitigar essas
ordenanças, visto que tal mudança não prejudica a conservação da unidade da
igreja cristã. Porque muitas ordenações de origem humana com o passar do tempo
caíram por si mesmas, não sendo necessário guardá-las, conforme testifica o
próprio direito papal. Se isso, porém, é de todo impossível, e se não se pode
conseguir que eles moderem e ab-roguem ordenações humanas que não se possam
guardar sem pecado, então devemos seguir a norma apostólica que nos ordena
obedecer antes a Deus que aos homens.179
São Pedro proíbe aos bispos o domínio, como se
tivessem o poder de coagir as igrejas ao que eles quisessem.180 Agora
não se trata de como privar os bispos de seu poder; pede-se e deseja-se, isto
sim, que não coajam as consciências a pecado. Se, porém, não fizeram isso,
desprezando esse pedido, reflictam então sobre como responderão a Deus por
isso, porquanto com essa sua pertinácia dão causa a divisão e cisma, coisa que
em justiça devem ajudar a prevenir.
CONCLUSÃO
Estes são os artigos principais que são considerados como controvertidos.
Embora se pudesse haver falado de número muito maior de abusos e erros,
contudo, para evitar prolixidade e extensão, citamos apenas os precípuos, a
partir dos quais facilmente se pode ajuizar quanto aos outros. Pois em tempos
passados houve muita queixa sobre as indulgências, sobre peregrinações, abuso
em matéria de excomunhão. Os pastores tinham infinitas contendas com os monges
quanto a ouvir confissões, a respeito de sepultamento, no tocante a prédicas em
ocasiões extraordinárias e relativamente a inúmeras outras coisas. Com as
melhores intenções e por amor da cortesia passamos tudo isso por alto, a fim de
que tanto melhor se pudessem notar os pontos principais nessa questão. Não se
deve julgar que qualquer coisa haja sido dita ou mencionada por ódio ou para
infamar. Relatamos apenas aquilo que julgamos necessário aduzir e mencionar, a
fim de que daí se pudesse tanto melhor perceber que, em doutrina e cerimónias,
entre nós nada se recebeu que seja contra a Sagrada Escritura ou a igreja
cristã universal. Porque deveras é público e manifesto havermos evitado,
diligentissimamente e com a ajuda de Deus (para falar sem vanglória), que se
introduzisse, alastrasse e prevalecesse em nossas igrejas qualquer doutrina
nova e ímpia.
Seguindo o édito, quisemos apresentar os artigos supramencionados, como
declaração de nossa confissão e da doutrina dos nossos. E caso alguém entenda
que fala algo, estamos prontos a dar-lhe informação mais ampla, com base na
divina Escritura Sagrada.
De Vossa Majestade Imperial mui submissos e
obedientes:
João, Duque da Saxónia, eleitor
Jorge, Margrave de Brandenburg
Ernesto, Duque de Lüneburg
Filipe, Landgrave de Hesse
João Frederico, Duque da Saxónia
Francisco, Duque de Lüneburg
Wolfgang, Príncipe de Anhalt
Burgomestre e Conselho de Nurembergue
Burgomestre e Conselho de Reutlingen
Notas
A - O texto alemão do prefácio é de pena de Gregor Brück, chanceler do
Eleitorado Saxónio. Justus Jonas é o autor da tradução latina do prefácio. É
essa tradução latina que vertemos em português. Enquanto diminui o número de
pessoas capazes de ler, com inteiro proveito, os originais alemão e latino das
Confissões Luteranas, cresce o número daqueles que entendem inglês. A edição
inglesa de T. G. Tappert (The Book of Concord, Fortress Press, Philadelphia,
1959), que traz a tradução do prefácio germânico, é livro de fácil aquisição. Favorecerá,
por isso, a número crescente de leitores o facto de havermos traduzido o
prefácio latino para a edição portuguesa.
B - Carlos V, 1500 - 1558.
C - No original, secus. Texto alemão: nicht
recht. Na Concordia Triglotta, em que a tradução do prefácio da Confissão de
Augsburgo se baseia no texto latino, lê-se: “in a different manner.” O advérbio
secus tem ambas as acepções, mas já que o prefácio latino é tradução do
prefácio germânico, damos preferência ao nicht recht.
D - No original, de cetero. Concordia Triglotta
traduz “for the future”. Assim também Leif Grane e Bernd Moeller (Die Confessio
Augustana, p. 13): “in Zukunft”. Cremos que Justus Jonas teria escrito in
ceterum houvesse sua intenção sido a de dizer “para o futuro”, se bem que o
contexto parece sugerir a tradução “para o futuro” como a melhor.
E - No dia 20 de Junho de 1530.
F - No dia 22 de Junho.
G - Dia 24 de Junho. Concordia Triglotta (p.
40), por engano, traduz próxima sexta feria (sic) com “on next Wednesday”. A
apresentação foi transferida para sábado, 25 de Junho.
H - Ou transmitiram. No original: tradiderint.
I - Adoptamos a variante sumus et militamus.
Cf. BSLK.
J - A Arquiduque Fernando da Áustria, desde
1526 rei da Hungria e da Boêmia, irmão do imperador.
K - Regensburg. 1527. Compareceu número muito
reduzido de pessoas, e a dieta terminou sem resultados.
1. Vid. Nota em I, Símbolo Niceno.
2. No original alemão: Wesen. Texto latino:
essentia.
3 “Aquilo que subsiste por si mesmo” =
hupóstasis, termo usado na igreja antiga conta o modalismo, segundo o qual o
Pai, o Filho e o Espírito Santo são três modos ou manifestações do Deus único.
Cf. em CR 4,38 as autoridades citadas por Melanchthon no Colóquio de Worms de
1541 para CA I. Em definitiones multarum appellationum, quarum in Ecclesia usus
est (Melanchthons Werke in Auswahl, vol. II,2, 1953, ed. Hans Engelland, p.
782s.). Melanchthon define “pessoa” assim: Persona est substantia, individua,
intelligens, incommunicabillis, non sustentata in alia natura. Sic loquitur
Ecclesia et vocabulo personae hoc modo utitur. Graeci hupóstasin et
huphistámenon dixerunt, id est, subsistens. Leonardo Hutter (Loci communes
theologici, locus I, cap. I, q. III, prop. III) descreve a elaboração do
conceito de pessoa congruente com o mistério da Trindade. Sobre o uso do
conceito de subsistência (hupóstasis) para determinar o conceito de pessoa
(reduzindo este ao sentido formal, único que lhe convém na doutrina da
Trindade) vid., p. ex., Werner Elert, Der christliche Glaube, 3ª ed., de Ernst
Kinder, 1956, p. 220.
4. Adeptos da heresia de Manes, do século III
d. C. Combinação do dualismo persa de Zoroastro com elementos gnósticos e
cristãos.
5. Gnósticos do século II.
6. Do nome do heresiarca Ário, teólogo de
Alexandria (ca. 270-336), que negava a consubstanciabilidade do Filho com o Pai
(Cristo, ainda que anterior ao mundo, é, contudo, um poiema de Deus). O
Concílio de Nicéia (Bitínia, Ásia Menor, 325, também chamado I Concílio de
Nicéia – o II reuniu-se em 787) condenou essa doutrina. Os arianos dividiram-se
em “homoi-usianos” (homoios e ousia), também chamados semi-arianos, ou
seminicenos (o Filho é de substância similar à do Pai, i. e., não idêntica nem
diferente. P. ex., Basílio de Ancira, o líder), “homoianos” (o Filho é
semelhante ao Pai. V. g., Acácio de Cesaréia, de onde os acacianos, mais tarde
liderados por Eudóxio) e “an-homoianos”, os arianos radicais, chamados de
arianos propriamente ditos (o Filho em tudo é dessemelhante do Pai. P. ex.,
Eunômio). O Concílio de Nicéia definiu-se pelo “homoousios” (o Pai e o Filho
são de substância idêntica). Daí o termo heterousianos para designar os
sectários do arianismo. Semi-ariano, inicialmente sinônimo de “homoi-usiano”,
mais além passou a ser sinônimo de macedoniano e pneumatômaco, porque muitos
“homoi-usianos”, ainda que tinham chegado a aceitar uma formula “homo-usiana”
quanto ao Pai e ao Filho, haviam aderido a Macedônio (patriarca de
Constantinopla, deposto pelo Sínodo de Constantinopla em 360), e diziam que o
Espírito Santo não é homoousios com o Pai e o Filho, de onde o nome de
peneumatômacos, que significa “difamadores do Espírito”.
7. De Eunômio, falecido cerca de 393, e que
chegou a ser a figura principal do arianismo radical.
8. Como negadores da Trindade.
9. Os samosatenos, também chamados paulianistas, foram sectários de Paulo de Samósata,
bispo de Antioquia. Em 269 foi deposto da sé antioquiana. Lutero e Melanchthon
o condenaram porque negava a personalidade do Logos. Há quem julgue duvidosa a
inclusão de Paulo de Samósata entre os adeptos do monarquianismo dinamista (o
Filho é simplesmente um poder de Deus, o divino repousava sobre o homem Jesus
como um poder, dúnamis). Também há quem pensa que binitarismo dinamista seria
descrição mais exata (porque falavam da existência do Pai e do Filho, ou Espírito,
dentro da Divindade, sem ênfase especial sobre a unidade e a relação entre
ambos). Outros preferem chamá-los de trinitários econômicos (nome dos adeptos
da teoria de que o Filho e o Espírito não são hipóstases plenas, mas têm o
status de economias ou dispensações funcionais do Deus único extrapoladas para
as finalidades da criação e da redenção.
10. Texto latino: neotericos (novos, modernos).
Com samosatenos novos a Confissão de Augsburgo mira aos primeiros
espiritualistas antitrinitários da época da Reforma (V. g. João Campano: o
Espírito Santo é apenas operação ou efeito de Deus e do Cristo).
11. No original, Erbsünde, “pecado
hereditário”. Texto latino: Peccatum originis. Na dogmática neo-escolástica a
expressão peccatum originale geralmente é usada para designar duas coisas: o
peccatum originale originans, o pecado adâmico, e o peccatum originale
originatum, o pecado hereditário dos filhos de Adão. Cf. Urs Baumann, Erbsünde?
(1970), p. 18 s. Num ensaio intitulado “Die Erbsünde und das Konzil von Trient”,
E. Gutwenger SJ, no interesse de uma terminologia impecável (“Im Interesse
einer einwandfreien Terminologie”), reserva o termo “Ursünde” para o peccatum
originale originans e usa “Erbsünde” para designar o peccatum originale
originatum (Zeitschrift für katholische Theologie, vol. 89, 1967, p. 433, nota
1). Outros autores traduzem peccatum originale originans com Ursprungssünde.
12. So naturlich geborn werden. Texto latino:
Secundum naturam propagati. Com “naturalmente” se quer excluir o Cristo.
13. Sectários de Pelágio, frade britânico (c.
360 - c. 420).
14. Os reformadores acusaram os escolásticos de
pelagianos. Também a Zwinglio, que considerava o pecado original enfermidade,
não pecado, argumentando que o pecado está ligado com a culpa: Sic ergo diximus
originalem contagionem morbum esse, non peccatum, quod peccatum cum culpa
coniunctum est (de peccato originali declaratio, CR 92, 372, 4).
15. No original: geborn aus der reinen
Jungfrauen Maria. Vid. BSLK, p. 54. Vid. Artigos de Esmalcalde, Parte I, 4, e
nota.
16. In einer
Person also unzertrennlich vereiniget. Não traduzimos o “also”, que aliás falta na
cópia de Espalatino (cf. BSLK, p. 54, aparato crítico). A doutrina das duas
naturezas inseparavelmente unidas na unidade da pessoa é formulada na confissão
do Concílio de Calcedônia (451).
17. O Símbolo dos Apóstolos, ou Credo
Apostólico.
18. Rm 3.21-26; 4.5.
19. Ou: do ministério da pregação. No original:
Vom Predigtamt.
20. Por exemplo Sebastião Franck, falecido em
1542. Ensinava que a palavra invisível operava sem meios.
21. Em contraste com as obras desnecessárias
mencionadas nos artigos XX e XXVI da CA.
22. Lc 17.10.
23. Comenta Wilhelm Maurer que esse allezeit
sein und bleiben resiste a uma compreensão apenas futura da perpetuo mansura,
encerrando antes em si a existência dela no presente e no passado. No ensaio
“Ecclesia perpetuo mansura im Verständnis Luthers”, publicado em Erneuerung der
Einen Kirche, vol. 11 de Kirche und Konfession, Göttingen, 1966, p. 32.
24. Versammlung. Texto lat.: congregatio.
25. Na ed. Tappert (p. 32) falta a tradução da
palavra einträchtiglich.
26. Cf. artigo XV, Das Ordenações Eclesiásticas.
27. Ef 4.5,6.
28. Mt 23.2.
29. Rigoristas da igreja africana antiga.
Negaram o ofício aos bispos que se haviam portado indignamente na perseguição
de Diocleciano, declararam nulas as ordenações feitas por esses bispos e
afirmavam que os sacramentos administrados por pessoas dignas de excomunhão não
tinham valor.
30. Observa Peter Brunner (Pro Ecclesia,
185-186) que as palavras “im Abendmahl” (“in coena Domini”) devem ser
entendidas não só como indicação de lugar e tempo, mas antes em sentido
instrumental (a realização da ceia seria o meio por que o corpo e sangue de
Cristo se tornam presentes). “Na ceia” significaria, portanto, a celebração
toda, desde as palavras da instituição até a distribuição. Conclui o autor que
à luz da CA X se pode desistir de isolar um ponto de celebração, assinalando-o
como o momento que efectuaria a presença do corpo e sangue.
31. Unter. Cf. Apologia X, 1: cum; Catecismo
Maior, Do Sacramento do Altar, 8: in und unter; Fórmula de Concórdia, Epítome
VII, 6: mit. Werner Elert (Der christliche Glaube, p. 387) observa que essa
viariação no uso das preposições prova que elas não têm a tarefa de uma
definição precisa. Segundo o autor, parafraseiam o simples facto de que pão e
vinho continuam pão e vinho, sendo, porém, no ato sacramental, portadores da
presença, do oferecimento e da recepção do corpo e sangue de Cristo. A fórmula
“in, sub et cum”, diz ele, não tem o sentido de um sucedâneo especulativo de
alguma fórmula escolástica (“spekulative Ersatz irgendeiner scholastischen
Formel”).
32. Unter der
Gestalt des Brots und Weins. “Gestalt” = aparência, forma; “Erscheinungsform” (BSLK, p.
64, nota 1), forma externa, espécie. Na doutrina da transubstanciação: espécies
= acidentes do pão e do vinho. Observa a nota 1, p. 64, BSLK, a propósito do
termo “Gestalt” em CA X: “Vielleicht Anklang na kath. Sprauchgebrauch....”
(“talvez reminiscência do uso idiomático católico...”.) E ilustra com um texto
das teses de Wimpina contra os Artigos de Schwabach: depois da “Tirmung”
(consagração), diz Wimpina, fica apenas a “Gestalt” do pão e do vinho, e “unter
jetlicher Gestalt” (“sob cada uma das espécies”) está o verdadeiro corpo e sangue
de Cristo, e o Cristo inteiro, individido e completo (WA XXX, 3; 190, 10 ss.)
Cf. E. F. Karl Müller, Symbolik, 1896, p. 347, nota 7: “Die Worte des deutschen
Textes, ‘dass wahrer Leib und Blud Christi wahrhaftiglich unter der Gestalt des
Brods un Weins im Abendmahl gegenwärtig sei’, entsprechen der geläufigen
römischen Redeweise”. (grifo do autor.) Sobre as espécies eucarísticas, ou
santas espécies, no sentido de aparências do pão e do vinho depois da
transubstanciação cf. também IV Concílio de Latrão, 1215 (Denziger-Schönmetzer,
Enchiridion Symbolorum, 802): Iesus Christus, cuius corpus et sanguis in
sacramento altaris sub speciebus panis et vini veraciter continentur,
transsubstantiatis pane in corpus, et vino in sanguinem potestate divina. –
Observa P. Brunner (Pro Ecclesia, p. 187) que não se deve aceitar uma
interpretação da expressão “unter der Gestalt” no sentido da doutrina romana da
transubstanciação. O sentido, diz ele, é: “unter dem sinnlich wahrnehmbaren
Ding, das Brot und Wein ist” (“sob a coisa sensorialmente perceptível, que é
pão e vinho”)
33. A absolvição particular, individual.
34. SL 19.12. Almeida RA: “Quem há que possa
discernir as próprias faltas?” Sobre a confissão cf. artigo XXV e notas.
35. Mt 3.8.
36. P. ex. João Denck (ca. 1500-1525)
37. Rigoristas de Roma (século III) que negavam
readmissão aos que haviam apostatado em tempo de perseguição e aos impuros e
assassinos.
38. Acréscimo no texto alemão da edição
príncipe de Melanchthon (1531): Darumb werden diejenigen verworfen, so lehren,
die Sakrament machen gerecht ex opere operato ohne Glauben, und lehren nicht,
dass dieser Glaub dazu getan soll werden, dass da Vergebung der Sünde angeboten
werde, welche durch Glauben, nicht durchs Werk erlangt wird. Esse texto é
substancialmente idêntico ao acréscimo que aparece na edição príncipe latino de
Melanchthon. (Cf. o texto latino do acréscimo e a tradução portuguêsa em CA
XIII, 2, tradução do texto latino, nota em “pelos sacramentos”.)
39. Vom Kirchenregiment. Texto latino: De
ordine ecclesiastico. Kirchenregiment, ordo aqui designam o ofício da direção
espiritual da congregação.
40. Ohn ordentlichen Beruf.
41. Feier, aqui no sentido de Feiertag. Texto
latino: Feriae.
42. Polizei. Aqui no sentido de Staatsordnung,
politeia (cf. BSLK, p. 70, nota 3) ou Staatsverwaltnung.
43. Aufgelegte Eide Tun. Texto latino: iurare
postulantibus magistratibus.
44. Max Keller -Hüschemenger (Die Augsburgische
Konfession, p. 16), adotando uma variante do manuscrito de Espalatino (cf.
BSLK, p. 71, aparato crítico), entendem a parte que vai de “quanto o facto é”
até “justiça do coração” como razões atribuídas aos adversários condenados aqui
pela CA. Isso os obriga a transformar um “dann” em “und” e um “und” em “aber”.
45. At 5.29.
46. Segundo um relatório da época, os
anabatistas da Turíngia ocidental (Melchior Rinck) ensinavam que separado de
Deus nada pode ser eterno, razão porque todos os diabos e os homens condenados
devem, finalmente, chegar a Deus e ser salvos.
47. 1 Co 2.14. Almeida RA: “não aceita as coisas do Espírito de Deus”.
48. Jo 8.44.
49. Cf. , vg. , Lutero, Sermon von den guten
Werken, 1520, WA VI, 202 ss.; Kurze Form der zehn Gebote, 1520, WA VII, 104
ss.; os
Dez Mandamentos no Catecismo Menor e no Catecismo Maior, adiante, Partes VI e
VII.
50. Cf. 1 Tm 2.5.
51. Ef 2.8,9.
52. Rm 5.1. Almeida RA: “Justificados, pois,
mediante a fé, tenhamos (ou temos) paz com Deus.”
53. Cf. Tg 2.19.
54. Hb 11.1.
55. Tract. In
Ep. Joh. Ad Parth. X
2. MSL 34, 2055. Pseudo-Agostinho, De congnitione verae vitae 37. MSL 40, 1025.
56. Sollen und mussen.
57. Lutero: “Quando assino à fé posição tão
excelsa e rejeito tais obras infiéis, incriminam-me de proibir as boas obras,
quando a verdade é que bem quero ensinar obras da fé verdadeiramente boas.” WA
VI, 205.
58. Jo 15.5.
59. Sob o sultão Suleimã II, os turcos
conquistaram a Hungria e chegaram até diante de Viena (1529), constituindo-se
no grande perigo para o Império.
60. 1 Tm 2.5.
61. Rm 8.34.
62. 1 Jo 2.1.
63. Os artigos I - XXI.
64. Fast. Cf. as acepções de fast em A. Götze,
Glossar. Texto latino: fere.
65. Gemeiner
chritlichen, já auch romischer Kirchen. “Gemeine” = “allgemeine.” Texto latino: vel ab
ecclesia catholica vel ab ecclesia Romana.
66. Original: so
viel aus der Väter Schriften zu vermerken. Cf. texto latino (quatenus ex scriptoribus
nobis nota est.
67. Irrung =
“Störung”, “Streit.” Cf. A. Götze, Glossar.
68. Kein
befindlicher Ungrund oder Mangel. “Empfindlich” e “bemerkenswert” são as duas
acepções do adjetivo “befindlich” registradas por A. Götze, (Glossar).
69. Nicht. Sobre
“nicht – nichts” Cf. A. Götze, Glossar. Espalatino: nichts. Texto latino: de nullo
articulo fidei dissentiant.
70. Gemeiner
christlichen Kirchen. Texto latino: ab ecclesia catholica. Vid. Nota em Conclusão
da Parte I, seção 1ª.
71. Unchristlich
oder frevenlich. A. Götze, Glossar, em fref(en)lich: “kühn, unverschämt;
mutwillig; gewalttätig.”
72. Mt 26.27.
73. Ou: e interpretá-las erroneamente, como se.
No original:....., und glossieren......., als.
74. 1 Co 11.20 ss.
75. Até o século XIII. Cf. Pe. Dr. M. Teixeira
- Leite Penido, Os Mistérios dos Sacramentos, Vozes, 1954, p. 250: “De facto,
na sinaxe antiga comungavam todos sob as duas espécies. Aliás, só no século
XIII cessou por completo este uso na Igreja latina. Continuam-no os orientais.”
76. Caecilius Cyprianus Thascius, bispo de
Cartago, nasceu em Cartago, entre 200 e 210. Muitas vezes chamado de Papa
Africano. Decapitado em 258. Foi o primeiro bispo africano que teve morte de
mártir. Sua obra mais importante é De ecclesiae catholicae unitate.
77. Comm. In
Zeph. c. 3. MSL 25.
78. Papa Gelásio, 492 – 496. Decretum Gratiani
p. III, De consecr. dist. 2 c. 12. A Confessio Augustana variata traz a íntegra
da sentença de Gelásio: Comperimus autem quod quidam, sumpta tantum corporis
sacri portione, a calice sacri cruoris abstineant, qui procul dubio, quoniam
nescio qua superstitione docentur astringi, aut integra Sacramenta percipiant,
aut ab integris arceantur, quia diuisio vnius eiusdemque mysterij, sine grandi
sacrilegio non potest accidere (Corpus Reformatorum 27, 381).
79. Nindert (= nirgends).
80. A procissão de Corpus Christi, em que se
leva a hóstia consagrada. A procissão realiza-se desde o século XIV. A festa de
Corpus Christi (quinta-feira seguinte à Oitava de Pentecostes, isto é, quinta-feira
seguinte ao domingo da Santíssima Trindade), também chamada festa do Corpo de
Deus e festa do Santíssimo, foi instituída pelo Papa Urbano IV (século XIII).
81. 1 Co 7.2.
82. 1 Co 7.9.
83. Mt 19.11. Almeida RA: “Nem todos são aptos
para receber este conceito.”
84. Gn 1.27.
85. A princípio proibiam-se aos clérigos apenas o segundo matrimónio, o
casamento depois da ordenação, mais tarde relações sexuais antes da celebração
da eucaristia, e, finalmente, desde o século IV, depois do surgimento da missa
diária, todo o relacionamento conjugal. Na Alemanha do século XII a maioria dos
sacerdotes ainda era casada.
86. 1 Tm 3.2.
87. Siegfried de Mogúncia, por ocasião de
sínodos em Erfurt e Mogúncia, 1075.88. O Concílio de Nicéia (325) recusou-se a
exigir o celibato. Quanto aos cânones a que se refere o texto, vid. Decretum
Gratiani I, d. 82, c. 2 – 5; d. 84, 4.
89. Vid. Nota à tradução do texto latino, seção
2ª.
90. Ou reflexão. No original, aus grossem
Bedenken.
91. No original:
die Schärfen und rigorem.
92. Unchristliche.
93. Tumbherrn -
Domherren.
94. Kurtisan -
Höfling.
95. Assim no original. In clero = no clero.
96. Ou entretanto. No original, allein.
97. 1 Tm 4.1,3.
98. Jo 8.44.
99. Tradução da tradução alemã.
100. Betrauung -
Bedrohung.
101. Ou
merecidamente. No original, billing.
102. Cf. 1 Co
11.27.
103. Kaufmess
und Winkelmess. Missa
particular = missa celebrada sem congregação.
104. Präbende = Einnahme, Pfründe.
105. Na carta aos Hebreus.
106. Hb 9.26,28;
10.10,14.
107. Männiglich
= jedermann.
108. 1 Co 11.20
ss.
109. No
original: Die Diakonen sollen nach den Priestern ordentlich das Sakrament
empfahen vom Bischof oder Priester. Cânone 18 do Concílio de Nicéia.
110. Etwa. Cf. A. Götze, Glossar.
111. Pfarrmess.
112. Cassiodoro, Historia ecclesiastica tripartita,
IX, 38. MSL 69, 1155D, citado de Sócrates Escolástico, Historia ecclesiastica
(para os anos 305 – 439), V. 22, MSG 67, 636 s. Cassiodoro (Flavius Magnus
Aureolus Cassiodorus Senator), ca. 485 –ca.580, nascido na Calábria, tornou-se
monge em 540. A Historia tripartita compreende uma tradução das histórias
eclesiásticas de Sócrates Escolástico, Teodoreto e Sozômeno, feita sob a
supervisão de Cassiodoro.
113. Des gegenwärtigen Menschen, “do homem
presente”, ou “do homem que está diante de nós.”
114. Ou nomeadamente, nomeando-os
expressamente. No original, namhaftig. Cf. A. Götze, Glossar.
115. Sl 19.12. Almeida RA: “Quem há que possa
discernir as próprias faltas?”
116. Jr 17.9. traduzimos o texto alemão (BSLK,
p. 99): Des Menschen Herz ist so arg, dass man’s nicht auslernen kann. (Em
alemão moderno, “auslernen” significa levar a cabo o aprendizado, aprender
totalmente.) Almeida RA: “Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e
desesperadamente corrupto, quem o conhecerá?”
117. Sl 37.5. Almeida RA: “Entrega o teu
caminho ao Senhor.”
118. Decr. Grat. p. II c. 33 qu. 3. De
poenitentia d. I c. 87, 4. Crisóstomo, Homilia 31, in ep. ad Hebr. MSG 63, 216.
119. Glosa ao Decr. Grat. De poenitentia 5, 1.
Lião 1506 s. 375 b: Melius dicitur eam [i.e., confessionem] institutam fuisse a
quadam universalis ecclesiae traditione quam ex novi vel veteris testamenti
auctoritate.
120. Cf. sobre a confissão Concílio de Trento,
sessão XIV, cânone 8 (Denzinger-Schönmetzer, Enchiridion Symbolorum, ed. de
1965, número 1708): Si quis dixerit, confessionem omnium peccatorum, qualem
Ecclesia servat, esse impossibilem, et traditionem humanam a piis abolendam;
aut ad eam non teneri omnes et singulos utriusque sexus Christi fideles iuxta
magni Concilii Lateranensis constitutionem, semel in anno, et ob id suadendum
esse Christi fidelibus, ut non confiteantur tempore Quadragesimae: an.s. (“Se
alguém disser que a confissão de todos os pecados, tal como a observa a Igreja,
é impossível e é tradição humana que deva ser abolida por pessoas piedosas; ou
que não são obrigados a ela, uma vez por ano, todos e cada um dos fiéis de
Cristo, de ambos sexos, segundo a constituição do grande Concílio Lateranense,
e que por isso os fiéis de Cristo devem ser persuadidos a não se confessarem no
tempo da Quaresma: seja anátema.”) O cânone refere-se ao IV Concílio de Latrão,
de 1215 (Cf. Capítulo 21, Denzinger-Schönmetzer, Enchiridion Symbolorum, 812:
Omnis utriusque sexus fidelis, postquam ad annos discretionis prevenerit, omnia
sua solus peccata saltem semel in anno fideliter confiteatur proprio
sacerdoti......) Sobre a obrigatoriedade da confissão de pecados mortais cf.
Concílio de Trento, sessão XIV, cânone 7 (Denzinger-Schönmetzer, 1707): Si quis
dixerit, in sacramento paenitentiae ad remissionem peccatorum necessarium non
esse iure divino confiteri omnia et singula peccata mortalia, quorum memoria
cum debita et diligenti praemeditatione habeatur, etiam occulta, et quae sunt
contra duo ultima decalogi praecepta, et circumstantias, quae peccati speciem
mutant; sed eam confessionem tantum esse utilem ad erudiendum et consolandum
paenitentem, et olim observatam fuisse tantum ad satisfactionem canonicam
imponendam; aut dixerit, eos, qui omnia peccata confiteri student, nihil
relinquere velle divinae misericordiae ignoscendum; aut demum non licere
confiteri peccata venialia: an. s. (“Se alguém disser que no sacramento da
penitência não é necessário por direito divino, para a remissão dos pecados,
confessar todos e cada um dos pecados mortais de que haja lembrança depois de
devida e diligente reflexão, também pecados ocultos, e aqueles que são
transgressões dos dois últimos preceitos de Decálogo, e as circunstâncias que
mudam a natureza do pecado, porém que essa confissão é apenas útil para
instruir e consolar o penitente, e que antigamente ela foi observada tão-só com
a finalidade de impor uma satisfação canónica; ou se disser que aqueles que se
esforçam para confessar todos os pecados não querem deixar nada à divina
misericórdia para perdão; ou, finalmente, que não é lícito confessar pecados
veniais: seja anátema.”)
121. Tomás de Aquino, Summa Theologiae, secunda
secundae, questio 147, articulus 1 (texto latino da S. Th., cura et studio Sac.
Petri Caramello, cum textu ex recensione Leonina, Taurini – 1952 – Romanae, p.
634): Assumitur enim ieiunium principaliter ad tria. Primo quidem, ad
concupiscentias carnis comprimendas.... Secundo, assumitur ad hoc quod mens
liberius elevetur ad sublimia contemplanda.... Tertio,
ad stisfaciendum pro peccatis. Unde dicitur Ioel 2,/12/: Convertimini ad me in
toto corde vestro: in ieiunio et fletu et planctu. (“Pois do jejum se faz
uso principalmente para três finalidades. Em primeiro lugar, para reprimir as
concupiscências da carne.... Usa-se dele em segundo lugar a fim de que a mente
se eleve de maneira mais livre para contemplar as coisas elevadas.... Em
terceiro lugar, a fim de satisfazer por pecados. De onde dizer-se Joel 2.12:
Convertei-vos a mim de todo o vosso coração; em jejum, e choro, e pranto.”)
122. Mt 15.1-20.
123. Mt 15.9 Almeida RA: “E em vão me adoram,
ensinando doutrinas que são preceitos de homens.”
124. Mt 15.11.
125. Rm 14.17.
126. Cl 2.16.
127. At
15.10,11.
128. 1 Tm 4.1-3.
129. Sobre Joviniano vid. Apologia XXIII, 67,
nota em “tempo de Joviniano.”
130. Lc 21.34. No original, mit Fullerei =
Völlerei, comilança, orgia.
131. Mt 17.21; Mc 9.29.
132. 1 Co 9.27.
133. Eusébio, História Eclesiástica V, 24, 13,
p. 494, 24, ed. de Schwartz. Vid. FC, Epítome X, 7; Decl. Sól. X, 31.
134. Cassiodoro, Historia tripartita IX, 38.
MSL 69, 1154 A, citado de Sócrates, História ecclesiastica V 22. MSG 67, 628 B.
135. Tomás de Aquino, Summa Theologiae, 2a. 2ae., q. 189, art.3, ad 3 (texto lat. cura et studio Sac. Petri Caramello, p.
852): Rationabiliter autem dici potest quod etiam per ingressum religionis
aliquis consequatur remissionem omnium peccatorum. Si enim aliquibus
eleemosynis factis homo potest statim stisfacere de peccatis suis, secundum
illud Dan. 4, ‘Peccata tua eleemosynis redime’; muto magis in satisfactionem
pro omnibus peccatis sufficit quod aliquis se totaliter divinis obsequiis
mancipet per religionis ingressum, quae exedit omne genus satisfactionis, etiam
publicae poenitentiae, ut habetur in Decretis, XXXIII caus., qu. 2, cap.
Admonere; sicut etiam holocaustum excedit sacrificium, ut Gregorius dicit,
super Ezech. Unde in Vitis Patrum legitur quod eandem gratiam consequuntur
religionem ingredientes quam consequuntur baptizati. (“Além disso, pode
dizer-se razoavelmente que também pelo ingresso na religião a gente obtém
remissão de todos os pecados. Pois se, feitas algumas esmolas, pode o homem
satisfazer imediatamente pelos seus pecados, de acordo com Daniel 4: ‘Redime os
teus pecados por meio de esmolas’, muito mais é suficiente para satisfazer por
todos os pecados que a pessoa se devote integralmente ao serviço divino pelo
ingresso na religião, o que excede todo género de satisfação, até o da
penitência pública, conforme os Decretos, XXXIII caus., qu. 2, cap. Admonere;
assim como um holocausto excede a um sacrifício, conforme diz Gregório, Homilia
sobre Ezequiel. De onde ler-se nas Vidas dos Pais que pelo ingresso na religião
se consegue a mesma graça que se alcança pelo baptismo.”) – “Ingressar na
religião”, neste texto, quer dizer entrar numa ordem religiosa, fazer votos
monásticos, também chamados “votos da religião” (os três votos de pobreza,
obediência e castidade).
136. 1 Co 7.2.
137. Mit der
Gabe der Jungfrauschaft.
138. Gn 2.18.
139. Cf. Tomás de Aquino, Summa Theologiae II,
2, q. 88 art. 1, 8.
140. So geschwind.
Cf. A. Götze, Glossar (rasch, entschlossen, schlagfertig; pfiffig, listig,
vorschnell; böse, túckisch, etc.) Concordia Triglotta, p.78: scharf.
141. Mt 15.9.
142. Gl 5.4.
143.
Unglimpflich treiben und aufmutzen.
144. Mal
traduzido em Tappert, p. 80: “that it was an innovation of his time.”
145. Ubermasswerk.
146. Casus reservati, nos quais a absolvição
era reservada aos bispos ou ao papa.
147. Gregório VII (1073 - 1085): Quod illi
liceat imperatores deponere (“Que lhe é lícito depor os imperadores). Mirbt,
Quellen, 4ª ed., número 278. Bonifácio VIII, bula Unam sanctam: Spiritualis
potestas terrenam potestatem instituere habet et iudicare, si bona non fuerit
(“O poder espiritual pode instituir o poder terreno e julgá-lo, caso não seja
bom”). Mirbt, Quellen, 4ª ed., 211, 8.
148. Jo
20.21-23.
149. Rm 1.16.
150. Jo 18.36.
151. Lc 12.14.
152. Fp 3.20.
153. 2 Co
10.4,5.
154. Pfarrleut.
Tappert (p.84) traduz “parish ministers”. O texto latino só tem ecclesiae.
155. Lc 10.16.
156. Mt 7.15.
157. Gl 1.8.
158. 2 Co 13.8.
159. 2 Co 13.10.
160. Ou: administrar justiça.
161. Jo 16.12,13.
162. Der Meinung. Cf.
A. Götze, Glossar, Tappert (p. 86) interpreta erroneamente: “... to make laws
out of opinions.”
163. Gar.
164. Die Siebenzeit. Texto latino: horae
canonicae. As orações canónicas: meia-noite, 7h, 9h, meio-dia, 15h, 18h, e à
hora do repouso ou antes de dormir.
165. Aufsätze. Cf. A. Götze, Glossar, verbete
“Aufsaz (ung).” Texto latino: traditiones.
166. At 15.10.
167. 2 Co 10.8.
168. Cl 2.16.
169. Cl 2.20-23.
170. Tt 1.14.
171. Mt 15.14.
172. Mt 15.13.
173. Cf. 1 Tm
4.1.
174. Gl 5.1.
175. 1 Co
11.5,6.
176. 1 Co
14.26-31.
177. Vid. Nota em Confissão de
Augsburgo, trad. Texto lat., XXVI, 14.
178. O chamado decreto Apostólico, de Atos 15.
179. Cf. At 5.29.
180. 1 Pe 5.2.
Versão PT-PT baseda no texto originalmente constante em: Livro de Concórdia, As Confissões da Igreja Evangélica Luterana, tradução e notas de Arnaldo Schüler, 4ª Edição 1993, co-edição de Editora Sinodal e Editora Concórdia.